Edmilson Lucena
Nos enerva, e dá nojo, saber que políticos, ao deixarem o cargo, requerem aposentadoria vitalícia. Uma bagatela de dezenas de milhares de reais, podendo acumular muito mais, tantas são as alicantinas perpetradas. É o exemplo que deixam para os assalariados e miseráveis. É muito difícil imaginar um país com rabo. Mas, quando se fala de Brasil, tudo é possível, até dispensando metáfora. Se tem rabo, tem selvageria no meio. Se tem cauda pode-se ter duas opções: ou esconder, por vergonha; ou escancará-la por safadeza. E o rabo podre do Brasil é muito maior do que o tolerável e o ocultável.
Recentemente, numa tarde movimentada, precisei ir a um hospital para fazer uns exames e, lá, percebi com tristeza que havia um paciente, trazido pela mulher e pelo cunhado. Olhar e postura de deficiente visual grave. Uma pessoa simplória, sofrida e que responde, com exatidão, por amostragem de imenso percentual de brasileiros. Trinta e tantos anos de serviço pesado, no meio rural; esquálido, semi-analfabeto, rosto vincado pelas chicotadas da má alimentação, péssima higiene e tristeza por participar de tantas tristezas. Aposentadoria: um salário mínimo! Doença: grave diabetes, enferrujando e sangrando dentro dos olhos. Angústia irreprimível: a certeza lancinante da cegueira iminente.
Como seria interessante, e patriótico, todos os partidos políticos palparem a impotência e a resignação deste senhor nas filas enormes e lentas dos serviços públicos de saúde! Pois que não passa de mais um coitado na lista de espera para uma cirurgia aliviadora nos olhos. Chora e cora pela condição de miserável aposentado, impedido de entrar no mundo fantástico e quase miraculoso da assistência médica diferenciada dos grandes serviços particulares.
No dia seguinte, lendo o jornal, vejo uma notícia bem brasileira: a lista dos marajás aposentados na mamata pública, envergonhando todo o país. Salariozinhos de dezenas de milhares de reais. Gente graúda, bem nutrida, dentes bem cuidados, pele boa, viajados, queimados de praias, possuidores de boas mansões. Pelo demérito do prêmio e acuados pela indecência cívica, até ligam para os jornais, pedindo silêncio sobre suas vidas e seus contracheques. Tramam, e conspiram, processar a imprensa pela indelicadeza de mostrar a fartura e a usura em seu viver. Há muitos que nem gostam de receber parentes pobres e amigos de outras épocas.
E, para amplo tédio/descrença dos que cutucam no assunto, até hoje não tivemos nenhuma autoridade/poder que tivesse o topete (e rubor facial) para abrir a caixa-preta destes subterrâneos da cidadania. E a conta vai crescendo; e nós, contribuintes, vamos pagando. Tirando dos miseráveis e trabalhadores para engordar esta fauna insaciável e pantagruélica.
Nossa inocência foi exaurindo nos últimos anos, quando o Poder Judiciário (até então intocável e digno de respeito) começou a fazer água nos porões. E agora, pelos escândalos e ziguiziras intermináveis, vem a sentença bestial do final de século: o governo não pode, por determinação constrangedora da Justiça, mexer nas grandes aposentadorias, na busca legítima e sacrossanta da correção destas monstruosidades. Caberia, portanto, ao Executivo/Legislativo penalizar o Poder Judiciário, obrigando os magistrados do contra a assumirem, cotidianamente e por prazo indeterminado, o sustento e convívio com os irmãos brasileiros da aposentadoria mínima.