“Você vai fazer o gol do título.”
Foi o que disse Fernando Diniz a John Kennedy, atleta que ele mesmo decidiu emprestar à Ferroviária, de Araraquara, querendo que ele recuperasse a humildade. Porque talento nunca lhe faltou.
Voltou ao Fluminense depois de fazer ótimo Campeonato Paulista.
Mas seguiu buscando festas, não se dedicando ao futebol como deveria.
Foi afastado por três semanas, mas Diniz decidiu dar nova chance ao garoto de 21 anos.
E valeu a aposta.
Kennedy marcou o gol decisivo, sonhado, da competição mais importante que o treinador disputou.
Lindíssimo, que deu a vitória ao Fluminense, aos 8 minutos do segundo tempo da prorrogação.
Depois de 121 anos, o clube tradicional ganhou a América.
Ganhou a honra de ser o décimo brasileiro a vencer a Libertadores.
E Fernando Diniz finalmente ganhou um grande título na sua carreira de 14 anos.
Tirou um peso gigantesco das costas.
Eram 14 anos de carreira e apenas um título na elite do futebol: o Carioca deste ano.
Com a conquista, o Fluminense disputará o título mundial no fim do ano, na Arábia Saudita.
“(Estou sentindo). Muita felicidade. Fruto de um trabalho que se a gente não tivesse vencido a gente não seria fracassado. O Boca não é fracassado, tem que parar com isso. Quem chegou aqui é campeão. Campeão não é quem ganha título.
“Campeão é quem vive com dignidade. Quem respeita e quem trabalha com amor”, desabafou o treinador, que sabia ser muito criticado por sua falta de títulos e assumir a seleção brasileira.
Cano comemora o primeiro gol da decisão. Deverá ser escolhido como o melhor jogador da Libertadores
Com Almirón colocando sua equipe toda no campo argentino, buscando atrair o time de Fernando Diniz para explorar o lado esquerdo, com Marcelo e Felipe Melo, mais lentos do que Merentiel, o atacante de velocidade.
O treinador interino da seleção brasileira não tinha outra solução a não ser aceitar o desafio. O estilo de jogo que impôs nas Laranjeiras e encantou a mídia carioca foi facilitado pelas linhas baixas demais do Boca Juniors.
O Fluminense atacava, mas não perdia o controle das intermediárias.
Diniz acertou em cheio em se conter e não escancarar o time. Deixou John Kennedy na reserva e colocou Martinelli em campo, dando estrutura no meio-campo, para poder soltar Marcelo e também Samuel Xavier.
André fazia ótima partida, funcionando perfeitamente na saída de bola de trás, como Diniz tanto gosta, imitando há anos o Barcelona de Guardiola, de 2010. E também fechando o espaço para o habilidoso e ousado Barco.
Keno se mostrava muito inspirado, abrindo espaço entre as linhas, atraindo a marcação para a movimentação de Cano, artilheiro de um toque só na bola.
Era impressionante a falta de ousadia do Boca.
O que só atraiu o Fluminense, esperando uma falha de marcação argentina, que não se mostrava tão segura, por exemplo, como foi contra o Palmeiras, na semifinal decisiva.
E ela veio.
Keno tabelou com Arias e cruzou para Cano que, em uma falha absurda da zaga argentina, deixou o artilheiro entrar livre, de frente para o gol.
E bastou um toque só na bola, como é sua marca registrada. O chute saiu rasteiro, cruzado. Romero demorou para saltar. Estava muito no canto esquerdo, deixando o aberto escancarado.
1 a 0, Fluminense, aos 35 minutos do primeiro tempo.
Seu 13º na Libertadores.
Foi o melhor momento da equipe brasileira. O Boca Juniors sentiu o gol. Se houvesse mais ousadia, se Diniz tivesse adiantado a marcação, tinha toda a chance de ampliar a vantagem.
Mas não foi o que aconteceu. O time carioca preferiu tocar a bola sem pressa, com medo de se expor aos contragolpes. O momento de titubeio foi um grande presente para os argentinos, que recuperaram a consciência.
O segundo tempo começou de maneira surpreendente.
Fernando Diniz foi o responsável.
Recuou demais o Fluminense, um time montado para atacar. A postura foi ótima para Almirón, que tratou de aceitar o desafio. Adiantou suas linhas, fez o Boca atacar em bloco, imprensando a defesa carioca.
Era uma imposição até psicológica. Os argentinos aproveitavam cada falta, cada dividida para catimbar, enervar os brasileiros. Situação mais do que conhecida. Mas que funcionou, outra vez.
A falta de nervos no lugar teve o seu preço mais caro.
Medina, que cresceu muito, descobriu Advíncula aberto na direita. Diniz sabia de sua característica mais óbvia. Cortar da direita e acertar chute forte de perna esquerda. E foi exatamente o que aconteceu.
Aos 26 minutos, o lateral teve toda a liberdade para acertar um chute violentíssimo, sem chance de defesa de Fábio. 1 a 1.
O Fluminense desabou. Desta vez, foi o Boca Juniors que teve a chance de ganhar a decisão. O time argentino passou a ter o domínio do jogo. O que deixou evidente a falta de melhor condição física de Cavani, muito abaixo de sua capacidade.
Diniz tirou Marcelo e Ganso, os jogadores mais talentosos, mais técnicos do Fluminense. Optou pela força física de Kennedy e Diogo Barbosa.
Faltaram talento e imaginação para virar o jogo.
Veio a prorrogação. Os dois times mostravam cansaço, desgaste físico e emocional.
O Fluminense apostava na velocidade, enquanto o Boca tentava diminuir o ritmo da partida.
Mas um lance mudou todo o cenário.
O rebelde John Kennedy justificou as apostas de Diniz. O gol, belíssimo, foi de um jogador diferenciado
SILVIO AVILA / AFP – 04.11.2023
Diogo Barbosa lançou Keno, que ajeitou de maneira brilhante, para o arremate sensacional de John Kennedy. Indefensável para Romero, Fluminense 2 a 1.
O jogador que Diniz falou que decidiria a partida foi perfeito no arremate. Mas irresponsável na comemoração. Mesmo com cartão amarelo, decidiu comemorar com a torcida. E foi justamente expulso.
O gol trouxe enorme tensão para os argentinos.
Eles se descontrolaram, tinham um atleta a mais.
Só que Fabra deu um tapa no rosto de Nino.
E foi expulso.
Igualou, de maneira infantil, o número de atletas na decisão.
Uma bobagem incrível
O Fluminense recuou e se desdobrou para segurar a pressão, sem o mínimo de consciência, do Boca Juniors.
Com coração, vibração, muita luta, o Fluminense conseguiu.
Pela primeira vez é campeão da Libertadores.
Vitória que veio do espírito, da garra, da coragem.
Depois de 64 anos, o clube das Laranjeiras orgulhou o