Lula e Boulos acenam para militantes em São Paulo, na véspera das eleições. Saldo das urnas do último dia 6 deixou o PT com 248 prefeituras – (crédito: Ricardo Stuckert/PR)
O resultado do PT nas urnas no primeiro turno das eleições municipais, com crescimento no número de municípios e vereadores, foi celebrado pela legenda. Porém, frustrou quem esperava um avanço considerável da esquerda após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Com 248 municípios, o PT está longe de atingir seu recorde de 630 prefeituras de 2012, após nove anos no comando do Executivo federal. Enquanto isso, ganham espaço as siglas de direita e as de centro-direita, que compõem a base do governo federal atualmente — em especial PSD, União Brasil, MDB, e PP.
Analistas ouvidos pelo Correio avaliam que a performance do PT no pleito do último dia 6 deixou a desejar. A sigla precisa repensar a estratégia para os próximos anos, como admitiu o próprio Lula na semana passada. O presidente terá de se aproximar mais das legendas de centro para manter a governabilidade e tentar se reeleger, ou emplacar um sucessor em 2026. O PT, por sua vez, atribuiu o avanço da direita e da centro-direita ao repasse de emendas parlamentares.
“Nós temos que rediscutir o papel do PT na disputa das eleições para as prefeituras. O PT, nessas eleições, 80% dos nossos prefeitos foram eleitos em cinco países (estados), todos eles do Nordeste. Nós tivemos uma boa participação no Rio Grande do Sul. Nós não tivemos uma boa participação em São Paulo; em Minas Gerais nós ganhamos nas duas cidades que a gente governa, Juiz de Fora e Contagem, que já governamos com duas mulheres”, disse Lula em entrevista à Rádio O Povo/CBN na sexta-feira.
No primeiro turno das eleições, o PT passou de 183 para 248 seu número de prefeituras, aumento de 35,5%. Disputará ainda o segundo turno em 13 cidades, sendo quatro capitais: Fortaleza (CE), Porto Alegre (RS), Cuiabá (MT) e Natal (RN). Além disso, a sigla elegeu 22 vice-prefeitos em alianças com 14 partidos. O número de vereadores, por sua vez, foi de 2.668 para 3.118, 16,8% a mais do que na votação passada.
Em nota, a Comissão Nacional do PT celebrou o resultado, e avaliou que a disputa foi influenciada pela cifra bilionária em emendas parlamentares destinada, em sua maioria, a partidos de centro-direita. “O resultado do primeiro turno de 2024 aponta o início da recuperação eleitoral do PT nos municípios, num cenário que mais uma vez favoreceu a eleição ou reeleição de candidatos das legendas da centro-direita e direita dominantes no Congresso Nacional, com acesso a emendas parlamentares bilionárias e no comando das máquinas públicas municipais”, diz o texto, citando o índice de 80% de reeleição.
Porém, o vice-líder do governo na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG), demonstrou, ontem, desapontamento com o resultado do partido no primeiro turno. “A performance decepcionante do partido do presidente mais icônico da história do Brasil expõe nossa desconexão com a realidade. O mundo mudou, e novas demandas surgiram. Precisamos nos reinventar para conectar com a juventude, trabalhadores urbanos e rurais, mulheres e empreendedores que movem a economia. Sem isso, estamos condenados ao fracasso”, escreveu em suas redes sociais.
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), por sua vez, afirmou que o desempenho do PT ficou dentro das expectativas. “Vamos lembrar aqui que o ápice do nosso número de prefeituras foi em 2012, que nós elegemos 630 prefeitos. Depois, em 2016, caímos para 252, quando começou o nosso calvário, com o impeachment da Dilma, Lava Jato, a desconstrução do PT, que foi muito difícil. Em 2020, a gente fez 183. Agora, a gente fez 248 e ainda estamos disputando em segundo turno”, destacou.
Paradigma
O cientista político Rodriggo Morais aponta que o PT deve buscar uma atualização interna. “Nessa era de ações políticas psicoativas, o paradigma para a conquista e manutenção do poder mudou drasticamente e o PT ainda não foi capaz de acompanhar estes novos fenômenos eleitorais, por não disporem das categorias científicas corretas que traduzam as camadas de expectativas inconscientes dos eleitores e solucionem os formatos de utilização das novas ferramentas disponíveis”, disse. “Além disso, o governo tem mínima margem de ação, na medida em que sobrevive pressionado por forças geopolíticas externas no contexto de uma guerra comercial de natureza híbrida e cerceado internamente por um Congresso com um poder de execução orçamentária nunca antes visto”, destacou.
Para o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e doutor em ciência política Sérgio Praça o resultado do PT nas urnas “não foi um desastre, mas foi bastante ruim”, considerando que é uma legenda com a Presidência da República e, historicamente, organizada. Ele lembrou que, no caso da corrida pela Prefeitura de São Paulo, onde o partido apoia a candidatura de Guilherme Boulos (PSol), o efeito do apoio de Lula não teve o impacto esperado e o psolista quase não conseguiu ir para o segundo turno.
Em sua visão, para se reeleger em 2026 ou emplacar um sucessor, Lula terá que se aproximar ainda mais do Centrão, como PSD, MDB e União Brasil, que registraram grande crescimento nas prefeituras. “Os cargos de confiança no governo federal, por exemplo, estão muito concentrados no PT. Ele terá que distribuir mais e também ganhar algum tipo de controle sobre as emendas orçamentárias. Sem isso, será difícil sua reeleição”, afirmou.
Para o coordenador de estados e municípios da BMJ Consultores Associados, Aryell Calmon, as visões negativas do desempenho do PT estão relacionadas a uma expectativa muito grande sobre o papel de Lula no pleito. “A verdade é que as duas coisas não estão relacionadas. A imagem do Lula é muito maior do que a do próprio partido”, comentou o sociólogo. Calmon atribuiu o avanço do PT em algumas prefeituras ao uso da máquina pública por Lula, com investimentos em alguns municípios estratégicos.