Com psicológico inabalável, organização tática, frieza e competência para jogar um homem a menos durante praticamente toda a partida, Botafogo derrota o Atlético-MG e entra no panteão dos gigantes do Brasil campeões da América
Por um dia, o hino do novo campeão da Libertadores poderia ser outro. O trecho “Foste herói em cada jogo, Botafogo” poderia facilmente ser adaptado para “10 heróis no decisivo jogo/ Por isso que tu és e hás de ser nosso imenso prazer”. O enredo da vitória por 2 x 1 no Estádio Monumental de Núñez, em Buenos Aires, ontem, é mais do que uma licença poética para a atualização.
O Botafogo encerra uma era de gracejos dos rivais. Tornou-se o último grande clube do Brasil a faturar o título e brindou o futebol do Rio de Janeiro com uma era dourada de conquistas seguidas. Em 2022, o Flamengo faturou o tri da América do Sul. No ano seguinte, o Fluminense entrou no panteão dos vitoriosos e libertados.
A façanha botafoguense se torna ainda maior pelo caminho trilhado. Ontem, a equipe disputou o 17º jogo nesta edição. Quase um turno de Brasileirão. Iniciou a campanha na fase preliminar, com eliminatórias contra Aurora-BOL e Red Bull Bragantino e repetiu o feito do Estudiantes de 2009. Até ontem, a equipe de La Plata era a única vitoriosa após romper a Pré-Libertadores.
O título inédito do Botafogo é um marco para o futebol sul-americano. Turbinado pelo investimento do magnata estadunidense John Textor, o Glorioso se orgulha de ser a primeira Sociedade Anônima do Futebol (SAF) campeã do principal torneio da América do Sul, e no país que discute a implementação das Sociedades Anônimas Desportivas (SADs) para fortalecer financeiramente os clubes com a injeção de capital externo. A Argentina não conquista um título desde 2018, quando o River Plate bateu o arquirrival Boca Juniors.
Independentemente do vencedor, ontem, estaria mantida a hegemonia do Brasil na Libertadores. Clubes brasileiros arremataram as últimas seis edições, é a maior sequência do torneio. De quebra, o alcançou o 24º troféu e diminuiu para um a desvantagem em relação à líder Argentina. Há 10 anos, o placar era de 22 x 18.
A apoteose botafoguense passou pelos pés de Luiz Henrique. Pinçado pelo departamento de scout, o atacante foi eleito o craque da competição. Nesta edição, marcou quatro gols e distribuiu quatro assistências. Ontem, baixou o espírito de Mané Garrincha e foi protagonista em dois dos três gols: marcou o primeiro e sofreu o pênalti que originou o segundo. O Anjo das Pernas Tortas vibrou do outro plano.
O gol do título foi do responsável por guiar o Botafogo no início da caminhada. Nos quatro primeiros jogos da equipe na competição, o camisa 11 colocou oito bolas na rede. Em julho, ele fraturou a tíbia e foi ausência durante dois meses. Recuperou-se em setembro e marcou, ontem, o segundo gol desde o retorno. Junior Alonso foi o artilheiro da competição, com 10 marcados. É a terceira vez consecutiva que o campeão ostenta o maior goleador da edição. No ano passado, Fluminense contou as 13 contribuições de Germán Cano. Em 2022, o tricampeonato flamenguista passou 12 vezes pelos pés de Pedro.
O Botafogo agora retorna os olhares para o Campeonato Brasileiro. O líder da disputa, com 73 pontos — três a mais o que o vice Palmeiras —, visita o Internacional na quarta-feira, às 21h30, no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. O Glorioso busca repetir o feito do Flamengo de 2019, campeão continental e da Série A.
O jogo
A expulsão de Gregore no primeiro minuto de jogo, após acertar as travas da chuteira na cabeça do atleticano Fausto Vera, prejudicou o esquema 4-2-3-1 do técnico Artur Jorge e o processo de criação ofensiva botafoguense. Decisivo com gols nos jogos contra Red Bull Bragantino e Palmeiras pelo Brasileirão, o carregador de piano colocou o técnico Artur Jorge em uma encruzilhada: mudar ou não mudar?
O português com quase oito meses de América do Sul confiou no que tinha de melhor. Não fez substituição, mas reorganizou o sistema com uma linha de seis defensores e três válvulas de escape. O objetivo era ter mais amplitude, dificultar o vício do Atlético-MG dos jogos pelas pontas e forçá-los a jogar pelo meio. Deu certo. As melhores oportunidades mineiras no primeiro tempo foram em arremates de longa distância de Hulk. Infiltrou bem com Guilherme Arana, mas a finalização passou longe.
O Atlético-MG teve 79% de posse de bola, mas o repertório atleticano era pobre, não passava de toques excessivos e cruzamentos forçados. A postura mineira escancarou um Botafogo organizado e compromissado. O nível de concentração botafoguense não caiu diante da adversidade. Na primeira oportunidade de escapada para o ataque, abriu o placar aos 35 minutos e aliviou a pressão. Luiz Henrique inverteu de lado, abriu pela esquerda, limpou Lyanco da jogada e passou para Marlon Freitas chutar. A bola ricocheteou e sobrou novamente para o camisa 7 estufar as redes.
Dez minutos depois, o Atlético-MG sofreu um apagão e um erro de comunicação custou caro. Guilherme Arana tentou proteger bola na grande área, mas Luiz Henrique foi astuto, quase a pegou e foi derrubado pelo goleiro Everson. O VAR confirmou o pênalti, e Alex Telles converteu.
O Atlético-MG voltou dos vestiários com outra postura. Descontou no segundo minuto de jogo, com Eduardo Vargas, mas não aproveitou o bom momento. O chileno teve duas chances claras e pecou nas finalizações. Nos acréscimos, Júnior Santos chamou jogada individual e decretou o título.