POR TRÁS DA CALVÁRIO – 3

POR AMANDA RODRIGUES

Ricardo chegou em casa dia 21/ 12, Nossa Senhora veio no dia certo me avisar que ele retornaria. Esse sim foi meu presente de aniversário. Porém no outro dia o MPF pediu a prisão dele novamente, desta vez com um

Parecer dizendo que eu faria parte da dita “orcrim”, mesmo eu não sendo citada na peça que ensejou a denúncia.

Aquilo foi um soco na minha cara, suficiente para que eu percebesse  que eles estavam dispostos a tudo para colocá-lo novamente na prisão. Me dei conta do tamanho do caminho que tínhamos a percorrer, e eu que ainda nem tinha conseguido dormir em paz. O HC havia libertado quatro pessoas, além de Ricardo, Claudia, Márcia e Francisco. Lá no presídio ainda tinham ficado mais pessoas, algumas eu não conhecia e outras eram pessoas queridas, com as quais eu havia trabalhado duro por três anos e conhecia suas famílias.

Vocês não têm idéia do tamanho da minha dor, porque ela não havia iniciado no dia 17/12, e sim antes, quando outros já haviam sido presos nessa mesma operação. A maioria  conhecia muito pouco, porém tinha uma ex colega de trabalho que eu gostava muito, considerava e ainda considero uma amiga. Gosto dos seus filhos e da sua irmã. Ela, que já havia saído da prisão após fazer uma delação e outros que  ainda estavam lá tinham sido parceiros de trabalho, um trabalho duro. De dia e de noite.

Trabalhar no governo do Estado, especialmente na função que ocupávamos requeria muita dedicação, era uma responsabilidade enorme. Juntos promovíamos uma grande revolução nesse Estado, e nada daquilo que eu lia e relia sobre eles, se encaixava nas reuniões intermináveis, nos almoços perdidos, nos sábados, domingos, semanas e dias de muito trabalho. Não pensem que eu sofri como esposa, porque se tratava do meu  marido. Ricardo, antes de ser meu marido, foi meu chefe, um grande companheiro de trabalho, alguém que confiou em mim e me deu ainda mais asas para voar.

Para cada um eu nutria um sofrimento particular, além do medo de me ver na situação deles. Não dormia, não comia. Preocupada com Ricardo. Sem notícias de H. Sentia e pensava dia e noite nas famílias, nos problemas particulares de cada um.

Estávamos no meio do recesso forense, passou Natal, Ano Novo, as férias, e todas aquelas pessoas presas, sem sequer ter um processo formal contra elas, até ali tinha uma denúncia. Ricardo voltou a trabalhar, e eu o acompanhei a Brasília várias vezes, sempre perseguidos. Era filmagem, fotos. Uma verdadeira falta de privacidade. O prazer era criminalizar todos os passos dele.

Começaram os vazamentos de conversas com o único intuito de constrangê-lo, e pasmem, até ali nossos advogados não tinham tido acesso as provas da denúncia, a investigação, a nada. Mas a imprensa, sim! A justificativa para isso era que o arquivo era pesado e tinha ficado disponível dia 18 e 19. Ora, todos os advogados com seus clientes presos, tentando um HC no último dia do recesso, iam lá atrás de Hd externo para ter acesso a esse processo, e nada.

Ficamos com essa resposta desumana e tivemos que esperar o fim do recesso para ter acesso aos autos. Durante esses dias, ficávamos a pensar o que danado tinha nessa denúncia, que provas eram essas que os próprios acusados desconheciam, não tinham idéia. Chegávamos a duvidar de nós mesmos, porque para tamanho estardalhaço, deveria ter algo muito robusto, elaborado. Deveriam ter provas fulminantes.

Chegou o dia, tivemos acesso ao material, e, incrível: Sem prova alguma. Uma narrativa descabida de onde os acusadores por vezes diziam ter convicção de crimes, e para comprovar essa convicção, era necessário prender toda essa gente, e o julgador apenas repetia aquilo que havia sido apresentado, sem um único questionamento. Comi todo o material, em busca de algo que justificasse tamanha violência, não encontrei. Achei meu nome citado 2 vezes. Eu cumprindo o dever das minhas atribuições, fazia parte do conselho do LIFESA, participava esporadicamente de algumas reuniões, apesar de achar a ideia fantástica. Acumulando duas secretarias, não me sobrava tempo para acompanhar mais de perto.

Outra citação diz respeito a uma indicação minha para que esse laboratório vender medicamentos aos município do Conde. Que de fato aconteceu. No mesmo dia por acaso eu tinha uma reunião com secretários do Conde e diretores do LIFESA. Em agendas separadas, recebi o Conde e obtive o relato da dificuldade de conseguirem comprar qualquer coisa que fosse, dentre elas medicamento. Falei sobre o LIFESA, chamei o diretor e deixei eles conversando na minha sala de reuniões, voltei para meu gabinete e continuei a despachar, só fui saber que isso poderia ser crime quando li que estava na investigação.

Meu nome citado nesses dois casos em letras maiúsculas, na tentativa de criminalizar o que até então achava ser minha função. 1 – Fazer parte de um conselho, por designação do meu superior. 2 – Indicar que uma empresa pública, a qual 51% de suas ações eram do Estado, vendesse a um município, a preços mais baixos que o convencional. Fiquei perplexa.

Entre esse dia e o julgamento do mérito do HC, foram longos dois meses. E as especulações de um retorno à prisão, bem como os pedidos reiterados do mp e mpf não paravam.

Ricardo teve um segundo pedido de prisão feito pelo MPPB. Lembro como hoje, estávamos em casa, variávamos entre dias ruins e péssimos, mas o sentimento era sempre que poderia ser pior, por isso agradecia.

Então chega essa pedido, que apesar de não ter nenhum fato novo, desestabiliza qualquer pessoa que já está com suas funções emocionais abaladas. Li aquilo e fingi não me importar, fui pra cozinha fazer o jantar, eis que desce José correndo as escadas, entra na cozinha e diz: -Mamãe, bota aquela música “ Maria passa na frente e pisa na cabeça da serpente”.

Até então eu nunca tinha ouvido essa música, coloquei, e foi mais um sinal Dela, dizendo que eu não me preocupasse, que ela estava aqui, ao nosso lado. Desde então virou nosso hino, todos os dias ouvimos repetidas vezes essa música, antes ou depois das orações, e ela sempre me acalma.

Marcaram o dia do julgamento do HC, fiquei tensa. Mas minha fé dizia para eu apenas confiar. Uma coisa dentro do meu peito dizia: “Amanda, entrega e confia. Ricardo tava em bananeiras e eu fui encontrá-lo. Passei a viagem lembrando da minha avó, ela adorava plantas e tinha um amor especial por orquídeas. Parei em uma flora na estrada, comprei uma orquídea branca.

Cheguei em casa e comecei a arrumar as coisas quando me deparei com Nossa Senhora da Graças. Arrumei um altar com ela e a orquídea branca. Me agarrei em orações, foram dois dias de concentração e intensas orações. O julgamento foi a tarde, Ricardo teve sua liberdade confirmada por 4×1. Me tranquei no banheiro e chorei muito de alegria, gratidão. Estava exausta, a briga parece que era com gigantes. Dormi cedo. Acordei e ainda não estava feliz. Meus amigos continuavam presos.

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