A obrigação de fingir alegria

Miguel Lucena

O Brasil é a terra de um povo alegre? Deve ser, diz a maioria, porque as pessoas não podem ver um trio elétrico que saem correndo atrás. Os bares vivem cheios, os sorrisos largos demonstram alegria.

Paulo Prado, em 1928, escreveu em Retrato do Brasil que em uma terra radiosa vivia um povo triste.

O compositor e cantor João Bosco verseja, em Rancho da Goiabada, de 1978, que os tantos iguais vão ao bar contar mentiras para espantar a dor. Ele fala de boias-frias que tomam biritas para espantar a tristeza, sonhando com bifes a cavalo, batatas fritas e sobremesa de goiabada cascão com muito queijo.

Os mestres Cartola e Carlos Cachaça compuseram, na década de 1940, a obra-prima Quem me vê sorrindo, mostrando que a alegria aparente é um engano e agem assim como consolo.

“Quem me vê sorrindo pensa que estou alegre, o meu sorriso é por consolação, porque sei conter, para ninguém ver, o pranto do meu coração.” Demonstram, então, que as aparências enganam, porque as pessoas sabem disfarçar os infortúnios.

O desemprego, a mesa vazia, as incertezas sobre a sobrevivência digna, os pequenos e grandes golpes da vida, as decepções, os logros, os enganos e o desespero desembocam nos botecos e nas avenidas, a fingir uma alegria fugaz que se acaba no dia seguinte ou na Quarta-feira de Cinzas.

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