Se Jair Bolsonaro conseguir ser reeleito daqui a menos de um ano, a história da votação da PEC dos Precatórios, chamada por alguns de PEC do Calote, será lembrada como o pontapé inicial da segunda temporada dessa bad trip (adicione aqui seu adjetivo) em que nos metemos —com a licença dos amigos do podcast “Medo e Delírio em Brasília”.
O roteiro tinha todos os elementos de um filme de ação.
Foi mais ou menos isso o que aconteceu enquanto Arthur Lira (PP-AL) comandava a sessão na terça-feira 9. Com um olho no relógio e outro nas emendas secretas, a maioria dos deputados garantiu votos suficientes para autorizar o governo a encontrar brechas no orçamento para turbinar seu Auxílio Brasil, a maior cartada de Bolsonaro rumo à disputa de 2022. Isso porque, no mesmo dia, o Supremo Tribunal Federal formava também maioria para barrar a festança com o chamado orçamento secreto manejado pelo presidente da Câmara, que em pouco tempo já garantiu ao antecessor, Eduardo Cunha (MDB-RJ) a alcunha de amador.
Às vésperas da votação, os valores distribuídos aos parlamentares se aproximava de R$ 1 bilhão, o que explica a conversão sincera e desinteressada de alas importantes de partidos oficialmente da oposição —exceção feita ao PDT, que após o pito de Ciro Gomes, que ameaçou abandonar a pré-candidatura à Presidência em caso de reincidência, retirou o apoio dado em 1º turno à proposta. Na prática esses votos não fizeram falta, dada a quantidade de apoio recebido via PSDB, DEM, Republicanos e grande elenco.
Enquanto os deputados drenavam os orçamentos, secretos e oficiais, cinco ministros do STF acompanharam a decisão de Rosa Weber de suspender a execução das emendas e cobrar “ampla publicidade, em forma centralizada de acessos públicos”, aos documentos relacionados à distribuição da grana entre 2020 e 2021.
A decisão poderá criar constrangimento no ninho governista e destampar eventuais ausências de critérios nos empenhos em redutos dos próceres da base aliada. Só em Arapiraca, reduto de Lira em Alagoas, foram direcionados R$ 64 milhões, número quatro vezes superior às emendas individuais que cada congressista tem direito. Outros manejos do tipo devem vir a público.
Mas tudo o que foi acordado e liberado às vésperas da votação vital já são favas contadas. A estratégia pode ser barrada daqui em diante pelo Supremo —isso se nenhum ministro pedir vista— mas já garantiu a cartada que Bolsonaro precisava para garantir sua base na Câmara e de lá tirar o trunfo para apresentar aos eleitores: R$ 400 mensais na veia de 17 milhões de famílias.
Numa gambiarra típica dos novos tempos (nova política que chama?), primeiro encerra-se o programa associado ao governo anterior e anuncia-se um novo, vitaminado, e com hora para acabar. Depois se vê como vai pagar a conta, nem que na base do toma-lá-dá-cá. A história de que a boquinha tinha acabado era fake news.
A votação acontece no momento em que Bolsonaro está prestes a se filiar ao PL e passar a (re)integrar oficialmente o centrão que ele e seus seguidores adoravam odiar. O filho 02, vereador Carlos Bolsonaro, até apagou o tuíte em que atacava os neoaliados no verão passado. O general Augusto Heleno já não canta mais paródias sobre a suposta rapinagem dos novos amigos.
E assim o jogo segue.
Enquanto o teto desaba, os patrocinadores da causa conseguiam sair impunes da mina antes de o portão se fechar em ruínas. Um deles ainda voltou para buscar o chapéu e vislumbrou um brinde: num dia de altas no Congresso e baixas no Supremo, Flávio Bolsonaro recebeu a notícia de que o Superior Tribunal de Justiça anulou as decisões tomadas contra ele na primeira instância no caso das rachadinhas.
A viagem do clã até 2022 é uma estrada aberta, com pedalada, mensaleiro, mensalinhos, com decisão atrasada do Supremo, endosso do STJ. Com tudo, enfim.
Para quem governava debaixo da lenda do “mito acorrentado“, que tem as mãos amarradas na missão de salvar o país dos impuros, a lista de agradecimentos aos sócios do empreendimento é grande. E só cresce.