Um grupo de bolsonaristas que levantou acampamento nas redondezas da Praça dos Três Poderes está convocando a população para invadir o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Um desses manifestantes é Marcelo Stachin, que tem participado de campanhas pela criação da Aliança Pelo Brasil, partido que Jair Bolsonaro vem tentando fundar desde que deixou o PSL. Stachin chegou a ter um carro todo plotado com a identidade do partido, foto de Bolsonaro e do vice-presidente General Hamilton Mourão.
Paulo Felipe é outro defensor de Jair Bolsonaro que aparece na convocação para o próximo domingo (10). Em suas redes sociais, é possível ver a presença dele em diversas manifestações pró-Bolsonaro. Ele se apresenta como criador do grupo Soldados do Brasil, Voluntários da Pátria, e afirma que a invasão dos Poderes conta com o apoio de militares da reserva. Eles prometem “dar cabo” dos poderes.
“Nós temos um comboio organizado para chegar a Brasília até o final dessa semana, no dia 8 de maio de 2020. Pelo menos com 300 caminhões, muitos militares da reserva, muitos civis, homens e mulheres, talvez até crianças, para virem para cá para Brasília, para nós darmos cabo dessa patifaria que está estabelecida no nosso país há 35 anos, por aquela casa maldita ali, Supremo Tribunal Federal, com 11 gângster, que têm destruído a nossa nação. São aliados com o Foro de São Paulo e o narcotráfico internacional”, diz Paulo em um vídeo publicado na terça (5) e nessa quinta (7) no Facebook.
Marcelo e Paulo estão participando do acampamento “300 do Brasil”, em apoio a Bolsonaro, que está instalado nos arredores da Praça dos Três Poderes. Eles costumam usar fardamento militar e enviar mensagens de apoio ao presidente e ataques ao Legislativo e Judiciário.
Em outro vídeo, publicado no dia 5, às 21h25, Paulo afirma que os manifestantes estão apoiando Jair Bolsonaro e que farão uma “intervenção militar no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal”.
Paulo diz que está aguardando para o dia 8 um comboio que virá do país inteiro. “Um comboio comandado por militares da reserva, das Forças Armadas e Forças Auxiliares”, afirma.
“Se você realmente não puder vir, quando chegar o dia D, onde nós vamos invadir o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, saia para as ruas, chame seus vizinhos, pegue uma bandeira do Brasil, se manifeste”, diz.
“Que a imprensa internacional fique sabendo que já estamos em ação nos arredores do Congresso Nacional, a missão é o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, para que o nosso presidente Jair Messias Bolsonaro possa governar”, afirmou Paulo Felipe.
Questionado sobre se pretendia tomar alguma atitude quanto a atuação do grupo, o Ministério da Defesa afirmou que “a segurança pública e a proteção do patrimônio público constituem atribuições dos órgãos de segurança pública estadual e federal. A apuração de crimes e a prevenção para que crimes não venham ocorrer também constituem atribuições dos órgãos de segurança pública”.
“Quanto a eventual e suposta participação de militares da reserva, o MD entende que estes militares são responsáveis pelos seus atos e respondem nos termos da legislação vigente”, disse a pasta em nota.
“As Forças Armadas sempre cumprirão duas missões constitucionais de defesa da pátria, da garantia dos poderes constituídos e, quando determinado pelo presidente da República, de garantia da lei e da ordem”, afirmou.
“As Forças Armadas, enquanto instituições de Estado, não apoiam nenhum movimento social ou político, de qualquer natureza”, finalizou a nota da Instituição.
Essa não é a primeira vez que Paulo declara o objetivo de fechar o Congresso. Há dois meses ele publicou outro vídeo no Facebook, afirmando que isso aconteceria no dia 15 de março, data em que aconteceram manifestações de apoio a Bolsoanro. “Vamos fechar o Congresso no dia 15 de março de 2020, não existe outra pauta, não queremos mais argumento, não queremos mais desculpas”, afirmou.
“Vamos chamar o nosso presidente, vamos chamar os nossos generais, vamos invadir o Congresso e o Supremo, não sairemos de lá enquanto aquelas duas Casa malditas não forem fechadas”, disse. Bolsonaro participou dessa manifestação, mas não há registro de tentativas de invasão dos Poderes.
O discurso dos apoiadores está num tom acima das falas do presidente, mas frequentemente Bolsonaro demonstra apoio a atos em que esse tipo de manifestação é comum.
“Eu estou aqui porque acredito em vocês. Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil. Nós não queremos negociar nada. Nós queremos que a ação seja feita no Brasil. O que havia de novo ficou para trás. Temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção, são os patriotas. Acabou a época agora. O povo não tem poder. Mais do que um direito, vocês têm obrigação de lutar pelo seu país. Contem com o seu presidente”, disse Bolsonaro diante dos manifestantes que pediam por um novo AI-5, ato mais radical de toda ditadura militar.
No último final de semana (3) Bolsonaro afirmou que as Forças Armadas estão com ele. “Tenho certeza de uma coisa, nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade”, disse. “Vocês sabem, o povo está conosco, as Forças Armadas estão ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade, também estão ao nosso lado”, reiterou.
No acampamento, Marcelo Stachin afirma que o grupo não sairá de Brasília “enquanto isso tudo não seja resolvido”. “Nós estamos em Brasília, em apoio ao presidente Bolsonaro, pela lei e pela ordem”, afirma.
Em suas redes sociais, Stachin, que apoiador da Aliança pelo Brasil, publicou vídeos e fotos, em que aparece em cima de trios elétricos durante manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, demonstrando que faz parte da organização dos atos.
Em diversos vídeos e fotos, tanto Marcelo quanto Paulo, aparecem com fardamento militar. Segundo o artigo 172 do Código Penal Militar usar, indevidamente, uniforme, distintivo ou insígnia militar a que não tenha direito é crime, com pena de detenção de até seis meses. Há, também, uma contravenção (o que significa um delito de baixo potencial ofensivo) nas ações dos dois, prevista no artigo 46 do Decreto-Lei 3.688, de 03 de outubro de 1941, com a seguinte redação: “Usar, publicamente, de uniforme, ou distintivo de função pública que não exerce; usar, indevidamente, de sinal, distintivo ou denominação cujo emprego seja regulado por lei”.
Acampamento com apoio de deputados
Os dois homens citados na reportagem, fazem parte do acampamento “300 do Brasil”, que o Congresso em Foco mostrou ontem (6). O grupo defende o “extermínio da esquerda” e faz treinamentos paramilitares. O grupo foi um dos responsáveis pela manifestação de domingo (3), que registrou agressões a profissionais de imprensa.
As deputadas federais Carol de Toni (PSL-SC) e Bia Kicis (PSL-DF), duas ativas defensoras de Bolsonaro na Câmara, foram ao acampamento e discursaram para os presentes. Um assessor de Bia Kicis tem ajudado na organização do movimento.
O senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, também endossou publicamente o acampamento com uma publicação em seu Twitter.
Investigação em andamento
O procurador-geral da República (PGR) já entrou com um pedido no STF para que seja investigada a manifestação do último dia 19, que contou com a presença de Jair Bolsonaro e que pedia por intervenção militar.
O pedido foi autorizado pelo ministro Alexandre de Moraes e a Polícia Federal tentará rastrear o a endereços eletrônicos dos responsáveis pela convocação das manifestações.
Os deputados Daniel da Silveira (PSL-RJ) e Cabo Junio Amaral (PSL-MG) estão entre os investigados, além de youtubers bolsonaristas que chamaram público para os atos antidemocráticos.
Novas denúncias
Em notícia-crime encaminhada ao ministro Alexandre de Moraes, o líder do PT na Câmara, Ênio Verri (PR), denunciou Paulo Felipe. “Trata-se de fato gravíssimo e que vem se somar às condutas, reiteradas já há alguns anos e com mais ênfase nos últimos meses, de um bando de celerados e acéfalos, reunidos em grupos de iguais, que estão promovendo, em todo o País e em Brasília (como as ações antidemocráticas investigadas em Inquérito da relatoria de Vossa Excelência), uma série de atos e ações inconstitucionais que objetivam, numa toada de aniquilação de Poderes (Legislativo e Judiciário) e supressão de garantias fundamentais, anular as conquistas democráticas tornadas realidades com a Constituição Federal cidadã, promulgada em 1988”, afirma a ação.
“O que não pode admitir como possível, é que essas pessoas, sob os cânones democráticos, possam vir a público orientar, de forma recorrente e reiterada, devidamente organizada e financiada, ataques contra instituições democráticas e seus membros, e pugnar pela volta de um período sabidamente de exceção, flagrantemente incompatível com direitos e garantias fundamentais, que vitimou centenas de vidas e mutilou a ideia de Democracia que conduz as Nações prósperas e que se orientam no respeito da dignidade da pessoa humana”, justifica o líder.
Para o Partido dos Trabalhadores, Paulo incorreu em crime contra a Lei de Segurança Nacional (7.170/1983). Segundo o artigo 22 da lei, é considerado crime fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social e guerra. Também comete crime quem incita à subversão da ordem política ou social, à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis.
Com base nessas acusações, o líder do PT pede por uma decisão liminar para que à Polícia Rodoviária Federal e à Polícia Federal confirmem a existência da organização dessa carreata/manifestação, para ocorrer em Brasília, no dia de amanhã e impeça a sua ocorrência, inclusive com a prisão dos envolvidos.
O partido também pede pela inclusão dos fatos ao inquérito já instaurado no STF que investiga Atos em Favor do AI-5 e do fechamento das Instituições Democráticas.
Congresso em Foco