“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
Era o que dizia um certo candidato que em 2018 prometia colocar o Brasil acima de tudo, e Deus acima de todos. Deve ter sido o único versículo bíblico que decorou durante a vida.
Inspirado por João 8:23, na manhã desta segunda-feira 25 queria escrever sobre algumas verdades. Algumas dolorosas.
A deterioração do quadro econômico tem levado pessoas a disputar ossos para o jantar.
O princípio da insignificância abarrota as cadeias e corredores jurídicos com gente acusada de roubar miojo e outros itens para matar a fome.
O número de miseráveis triplicou entre 2020 e 2021.
Os cortes nas bolsas de pesquisa.
A disparada do dólar.
A alta dos preços.
Verdades. Todas elas documentadas, verificadas, registradas em imagens. Resultados de um governo e sua equipe de ególatras que perdeu o eixo, o norte, o crédito.
Mas quero hoje falar de uma mentira.
No tiroteio de relatórios de CPI e o avanço forçado da agenda positiva do Auxílio Brasil, o que furou o teto de gastos e deixou investidores em pânico, Jair Bolsonaro associou, em sua live de quinta-feira, a vacinação contra o coronavírus com o risco de infecção de HIV, a síndrome da imunodeficiência humana popularmente conhecida como Aids.
Justo agora que o número de mortes e internações por covid estão caindo no país. Justamente no momento em que a vacinação avança.
A associação foi feita quando o presidente leu uma suposta notícia baseada em supostos relatórios oficiais do Reino Unido. Bolsonaro foi prontamente desmentido pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), que repudiou a notícia falsa com uma “associação inexistente”.
Por sorte (ou azar), a declaração repercutiu menos do que acontecia quando o presidente da República era digna de crédito. Hoje, quando absurdo do tipo chega aos ouvidos do público, a reação natural é minimizar: “ah, relaxa, é só mais uma bobagem dita pelo Bolsonaro. Só os fanáticos acreditam no que esse pobre homem diz”.
A decisão de ignorar esses fanáticos, os mais energizados e mais mobilizados nas ruas e nas redes sociais, são outros 500. Fica para uma próxima conversa.
A notícia hoje é outra. A notícia é que, por conta da associação falaciosa do presidente, tirada do Instituto Bolsonaro de Bobagens Torturadas (IBBT), o Facebook precisou DERRUBAR a live de quinta-feira.
Em mais um vexame para a lista, um dos poucos canais do capitão —avesso a entrevistas para prestar contas de atos, ações, pensamentos e omissões— com a população simplesmente saiu do ar porque o ele usou o espaço para espalhar mentiras.
Segundo a plataforma, Bolsonaro feriu as políticas do Facebook e do Instagram, que “não permitem alegações de que as vacinas de covid-19 matam ou podem causar danos graves às pessoas”.
Bolsonaro conseguiu transformar assim uma vergonha nacional em vergonha mundial. Não basta esfregar na cara de seus compatriotas o despreparo da principal autoridade do país no momento mais grave da nação. Tem que virar notícia mundo afora.
Desmoralizado, o autor da live poderá espernear agora dizendo que teve sua liberdade tolhida pela plataforma privada. Não se pode nem espalhar uma mentira baseada numa grande bobagem que o Facebook diz “noooooossa, vou te derrubar”.
Para testar a fidelidade de seus cães de guarda, Bolsonaro podia mandar seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a mostrar o dedo do meio agora para Mark Zuckerberg.
Se liberdade é poder associar alhos com bugalhos e desmobilizar a própria população em tomar a única atitude correta neste momento da pandemia (se vacinar), podemos usar o mesmo método e dizer, com toda a liberdade livre das amarras do mundo real, que ler e ouvir o que Bolsonaro prega emburrece e produz mortandade de neurônios. Não tenho provas, mas tenho convicção.
Antes de espalhar mentiras, Bolsonaro poderia cumprir ao menos uma promessa de campanha e conhecer a verdade. Ela poderia libertá-lo das agruras dos processos que se avizinham pelos crimes imputados a ele pelo relatório da CPI da Pandemia.
Mas o bordão da campanha era outra fake news. Bolsonaro não se interessa pela verdade e a única liberdade que importa é a dele e de seus filhos.