EDMILSON LUCENA
A capital da paraíba é uma cidade privilegiada. Nascida entre o rio e o mar, cresceu dominando uma colina da qual se avista, ainda hoje, um verde exuberante. Esta cobertura vegetal é o traço mais característico da sua paisagem – do estuário do Paraíba às praias de Tambaú – prevalecendo sobre telhados e avenidas, como se continuasse intacto o mesmo sítio que impressionou o colonizador português.
Fundada em 1585, é a terceira cidade mais antiga do brasil e preserva a sua história em monumentos que compõem um patrimônio de inestimável valor histórico e cultural. São 436 anos de luta e resistência, da conquista do território à expulsão dos invasores, com a construção de um acervo que a torna um exemplo singular no Nordeste.
A cidade de Nossa Senhora das Neves nascia podendo escolher o nódulo inicial, o lugar do forte, da casa da pólvora, da igreja e convento, do arruamento, como se fosse o primeiro núcleo urbano brasileiro objeto de ação planejada.
Contrariando a formação natural de outras cidades, João Pessoa nasceu da fazenda real para garantir a colonização rumo ao norte.
Cidade Baixa e Cidade Alta eram os dois planos nitidamente separados em que o núcleo urbano se dividia, a primeira ocupada pelo comércio; a segunda erguida para exaltação de Deus e o exercício do poder, através de igrejas, mosteiros, palácios e edifícios reais sempre em contraste com o casario miúdo que descia pelas ladeiras e perdia-se em sítios como Tambiá e Jaguaribe.
Se o casario comum era acanhado, como na maioria das cidades brasileiras dos tempos coloniais, os conventos e templos religiosos demonstravam uma riqueza que contrastava com a paisagem ambiente. Santo Antonio e São Francisco, convento dos Jesuitas, igrejas do Carmo e da Misericórdia são monumentos ainda hoje superiores a qualquer grandeza arquitetônica da cidade moderna.
Em 1808 as casas eram quase todas de um andar, algumas com janelas de vidraças, as fontes de Tambiá e Gravatá chamando a atenção dos viajantes estrangeiros. Mas o cuidado com a suntuosidade das igrejas e conventos precedia a qualquer outro interesse.
Mas fora o esplendor de templos como o de São Francisco, uma das mais ricas expressões do Nordeste, foi modesta a contribuição do império na edificação da cidade.
Pode-se arrolar o antigo Tesouro, a atual Detenção, o uartel de polícia, o matadouro, que vieram da monarquia’. Esse antigo tesouro foi projetado para teatro. Foi hospital e serviu de sede do erário, do Arquivo, da Justiça e da Assembléia Legislativa. hoje é Quartel-General da Polícia Militar, ocupando o centro do logradouro mais vetusto e historicamente significativo da Paraíba, ladeado pelo primeiro grupo escolar da cidade, o Tomás Mindelo, pela sede dos Correios e Telégrafos, a mais imponente do brasil de sua época, e pelo último presente do império à cultura da paraíba, o Teatro Santa Rosa.
O jardim público, com as palmeiras imperiais, arvoredos altos, renques de pitangueiras, fechado em gradil de ferro, tinha um aspecto de graça aristocrática. foi construído em 1870, pelo vice-presidente Padre Galvão, e é hoje a praça João Pessoa.
A casa de esquina da Rua Nova, hoje General Osório, que foi Corte de Apelação e Escola Normal e que até 1982 abrigou a Biblioteca, é adaptação remanescente dos tempos do Barão do Abiahy.
Mas até os primeiros anos da República, a Rua das Trincheiras, a Praça Venâncio Neiva e a Rua da República ainda não eram calçadas.
Só na República, a partir do Governo João Machado, a cidade começa a definir o traçado e o casario que a caracteriza e que o Instituto do Patrimônio Histórico se esforça , incompreendidamente, por preservar.
João machado abre a avenida que veio tomar seu nome, pavimenta ruas do centro, instala a iluminação e o bonde elétricos, o serviço de higiene e, coroando todas essas obras, dá a João Pessoa o seu primeiro abastecimento de água. Mais do que água de beber, desperta o pessoense para o gosto de aguar. Era o Governo de um lado, inovando e construindo e a comunidade do outro, regando os seus jardins. Nascia a grande vocação da cidade, que é a de ser urbs e bosque.
Vem camilo de holanda, atraindo gente nova, arquitetos mais modernos, os Fiorilo, di Láscio, Olavo Freire e Clodoaldo Gouveia, imprimindo a Tambiá, Trincheiras e alguns solares da nova João Machado com trechos do Centro, os elementos decorativos da art nouveau, com seus jardins laterais, escadas frontais, alpendres em estrutura de ferro importada, mais beleza e alegria na arte de morar.
João Pessoa ficava cada vez mais bela, ganhava jardins, edifícios e balaustradas como a que ainda hoje olha para a Ilha do Bispo, nas Trincheiras.
Sucedem-se as boas administrações. Ao Governo Camilo de Holanda, vem o de Solon de Lucena, que entrega a prefeitura a Guedes Pereira, trazendo para o lugar de ruas e igrejas antigas obras como a Praça Vidal de Negreiros, o Parque Arruda Câmara, Praça da Independência, Avenida Maximiano de Figueiredo, a descida que hoje tem o seu nome, além do avanço da cidade para o leste da antiga lagoa que ele mesmo transforma em Parque Solon de Lucena, uma das praças mais bonitas do mundo.
Vem Argemiro de Figueiredo completando a lagoa, confiando a Clodoaldo Gouveia a arquitetura do Liceu Paraibano, da Secretaria das Finanças, no Varadouro e de um novo estilo de construção.
E termina o povo plantando mais do que o Governo, verde por toda parte, ruas inteiras de acácias, jambeiros, castanholas e fruteiras.
A Epitácio Pessoa, que era uma estrada de barro, abre-se em avenida larga e pavimentada até o mar, conduzida pela visão de futuro do governador José Américo de Almeida.
Os 350 anos comprimidos entre a colina e o rio, apertando a largura das ruas e das casas, expandem-se, numa fração desse tempo, em áreas muitas vezes superiores ao núcleo original. O Centro é abandonado pela população residente, que se distribui para os bairros elegantes que margeiam a Epitácio Pessoa ou para os tabuleiros do sul e sudeste, rapidamente convertidos em conjuntos residenciais com população dez vezes superior à de toda João Pessoa dos anos 50.
Bairro dos Estados, Tambauzinho, Miramar, Tambaú, Cabo Branco, Altiplano, Manaíra, Bessa são os novos nomes da elite residencial, deslocada do centro e dos bairros mais antigos para uma nova cidade plana, quase ao nível do mar e de casas que se completam em jardim, luz, ar, piscina e banho de mar. De Intermares até Barra de Gramame a praia é uma estrada só.
O que diferencia na casa, no status, reúne a beira-mar, vinte e cinco quilômetros de onda verde e areia branca lavando, pelo menos uma vez por semana, as diferenças sociais do quase um milhão a que chegou a antiga Filipéia.
O nosso propósito, sempre que possível, é documentar a história da Capital da Paraíba, mesmo que de forma singela, como contribuição à preservação do seu passado e incentivo à exaltação das suas belezas naturais, para que as atuais e futuras gerações redescubram valores antigos e cultuem o que a cidade tem de mais fascinante – a sua paisagem, na qual os monumentos seculares convivem harmoniosamente com as construções modernas, sob o domínio do verde e da brisa que sopra do mar.
Precisamos, também, estimular a defesa do patrimônio histórico e natural da cidade, associando essa iniciativa à luta contra a mutilação do seu perfil urbano. Nosso intenção, enfim, é despertar os sentimentos e a consciência dos que amam a capital paraibana e têm responsabilidade com o seu futuro.