Lula assume o Planalto pela terceira vez sob olhares de todo o mundo


Após passar 580 dias preso e vencer o pleito mais polarizado desde a redemocratização, Luiz Inácio Lula da Silva tomará posse hoje para o 3º mandato como presidente. Cerimônia, com 30 chefes de Estado e de governo, ocorrerá sob tensão

A cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o terceiro mandato será a maior da história, segundo organizadores, e a expectativa é alta em relação ao evento. De acordo com o embaixador Fernando Igreja, responsável pela coordenação do cerimonial, há 30 chefes de Estado e de governo confirmados para o evento.

Entre os presentes, estarão líderes como o rei da Espanha, e os presidentes de Alemanha, Angola, Argentina, Bolívia, Cabo Verde, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Guiné-Bissau, Paraguai, Portugal, Suriname, Timor-Leste, Uruguai e Zimbábue.

Com isso, a quantidade de chefes de Estado e presidentes supera com folga o número registrado na posse do atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL), em 2019, quando compareceram 10 presidentes, entre eles, Benjamin Netanyahu (Israel), Viktor Orbán (Hungria), Marcelo Rebelo de Sousa (Portugal), Sebastián Piñera (Chile), Mario Abdo Benítez (Paraguai), Tabaré Vázquez (Uruguai), Evo Morales (Bolivia), Juan Orlando Hernández (Honduras), Jorge Carlos Fonseca (Cabo Verde) e Saadeddine Othmani (Marrocos).

Ao todo, a solenidade contará com 65 delegações de chefes de Estado, de governo e de poder, além de ministros de negócios estrangeiros e enviados especiais. Segundo o embaixador, trata-se do maior número de autoridades estrangeiras de alto nível desde os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.

Dos confirmados, destacam-se os vice-primeiros-ministros do Azerbaijão e da Ucrânia. Comparecerão, também, os presidentes do Conselho da Federação (Rússia), da Assembleia Nacional Popular (Argélia), Assembleia Consultiva Islâmica (Irã), Senado e Assembleia Nacional (República Dominicana), Assembleia da República (Moçambique), do Senado da Jamaica e da Guiné Equatorial e do Parlamento Nacional (Sérvia).

Também foram confirmadas as vindas de 11 chanceleres (Turquia, Costa Rica, Palestina, Guatemala, Gabão, Zimbábue, Haiti, Nicarágua, África do Sul, Camarões e Arábia Saudita) e 16 enviados especiais, entre os quais, da União Europeia, dos Estados Unidos, do Reino Unido, do Japão, da França e da Organização das Nações Unidas (ONU).

Dos organismos internacionais, marcarão presença o secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o secretário-geral da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), e o novo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfajn.

Os convites foram feitos a todos os países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas, ou seja, mais de 190.

Um dos convites que ainda estava em estudo era o do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, devido a uma portaria assinada em 2019 pelo governo Bolsonaro que impedia que membros da equipe venezuelana entrassem em solo brasileiro. Porém, os Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores revogaram a regra no último dia 30. E, assim, há condições para que Maduro participe da posse.

São esperadas pelos organizadores cerca de 300 mil pessoas no evento em Brasília. Na posse de Bolsonaro, o público previsto era de 200 mil a 250 mil. O policiamento será bem maior do que os três mil previstos em 2019, especialmente depois das ameaças de terroristas bolsonaristas querendo explodir bombas na capital federal. O efetivo das forças de segurança será de mais de 10 mil agentes.

O evento contará com os tradicionais desfiles a céu aberto, a passagem da faixa presidencial e shows de mais de 60 artistas em dois palcos preparados no gramado na Esplanada dos Ministérios.

Interesse
Especialistas apontam que a troca de governo marcará uma mudança significativa na política externa do Brasil, e os líderes estrangeiros voltaram os olhos para o país novamente. O interesse em Lula é crescente, especialmente pelo desejo dele de recuperar a diplomacia tradicional do país e de retomada do diálogo em temas multilaterais, como o meio ambiente.

Nesse sentido, o ex-embaixador e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero não tem dúvidas de que a mudança da agenda ambiental será o fio condutor da política externa do novo governo, colocando o Brasil de volta no mundo, estreitando as relações com China e Estados Unidos. “Contudo, o grande ponto de interrogação será quando começarem a surgir as dificuldades, mas Lula não terá o cenário externo favorável como teve no primeiro mandato, que coincidiu com o superciclo de commodities, nos anos 2000”, destaca.

Estudiosos reconhecem que as prioridades serão a recuperação da imagem do país, a confiabilidade de sua diplomacia, a retomada dos projetos de integração regional e a preparação do Brasil para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, em 2025.

Ricardo Mendes, sócio da Prospectiva e responsável pelas operações internacionais da consultoria, aponta duas questões que despertam o interesse de líderes estrangeiros pela posse do Lula, como a sinalização da retomada do engajamento do Brasil em fóruns multilaterais de temas ambientais e de direitos humanos e por conta de a América Latina ser hoje predominantemente governada por líderes de esquerda que veem em Lula uma liderança regional.

“A diferença em relação às posses anteriores é justamente a perspectiva da retomada de uma ‘normalidade’ nas relações externas do país depois de anos de Dilma e Bolsonaro. Lula tem um capital político importante na esfera externa que pode ser usado a favor do Brasil”, ressalta. “O país detém, também, uma liderança natural na área ambiental e vai efetivamente poder exercer esse papel neste novo governo.”

Mendes enfatiza que será difícil para o Brasil exercer qualquer tipo de liderança global sem se indispor com nações ocidentais ou a China. “A tendência é o país se acomodar em temas de mais consenso, como meio ambiente, para exercer essa liderança global. A agenda comercial vai ser bilateral e pragmática, assim como é feita atualmente”, afirma.

Assim que passou a integrar a equipe de transição, o embaixador Mauro Vieira contou que Lula pediu para ele desenvolver, reaproximar e reconstruir as pontes com os parceiros tradicionais do Brasil: Estados Unidos, China e União Europeia. Segundo o futuro ministro das Relações Exteriores, outra orientação é retomar “todos os trabalhos de cooperação com a África” e se reaproximar dos vizinhos da América do Sul e os demais latino-americanos. Lula pretende, ainda, visitar a Argentina, a China e os Estados Unidos nos três primeiros meses de governo.

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida analisa que as relações internacionais estão sumamente abaladas, depois de mais de dois anos de pandemia e quase um ano da guerra da Rússia na Ucrânia. “Não se deve esperar uma apoteose, porque as condições internas ao Brasil, nos planos econômico e político, são bastante pessimistas.”

Ele frisa, porém, que a posse de Lula é vista como o retorno do diálogo do Brasil com a comunidade internacional. “Depois de quatro anos de um dirigente inepto, descortês com chefes de Estado estrangeiros, vulgar ao extremo e, sobretudo, incapaz de qualquer traço de governança positiva, antes caracterizada pela destruição institucional e uma verdadeira demolição da até então respeitada diplomacia brasileira, a posse de Lula vem sendo saudada com sentimento de alívio, a se ter de volta um dirigente que já se distinguiu nos dois mandatos anteriores por uma enorme capacidade de se relacionar com gregos e troianos, ou seja, capaz de dialogar com todas as grandes potências e com os mais modestos países da comunidade internacional”, expõe.

Segundo Almeida, as expectativas são ainda maiores em relação à questão ambiental, “com a volta do Brasil aos debates e às negociações nos temas da sustentabilidade, assim como nos temas de direitos humanos e de cooperação ao desenvolvimento”.

O retorno de Lula representa, também, a chance de o Brasil voltar com mais força ao cenário internacional. “Certamente, pela força intelectual e qualidade operacional de sua diplomacia profissional, junto com o entusiasmo do chefe de Estado, já experiente, por iniciativas que tendam ao diálogo e à atenção com os países mais pobres, assim como com a desigualdade novamente crescente no mundo”, destaca. Ele lembra, no entanto, que “o cenário externo não apresenta as mesmas características positivas dos anos 2000, com crescimento da economia mundial, picos de valorização das commodities exportadas pelo Brasil e grande capacidade de atrair investimento pela própria dinâmica da economia brasileira, hoje bem mais modesta”.

Conforme Almeida, a expectativa é de que a diplomacia do novo governo seja menos sectária do que foi nos mandatos anteriores, quando o Brasil permaneceu aliado a algumas das ditaduras mais execráveis da região e em outras partes do mundo. “Não se trata de urgência, apenas de um elemento moral, que deveria ser um elemento básico da nova diplomacia, depois de quatro anos de ideologia de extrema direita e de um ridículo antimultilateralismo”, acrescenta.

“É prematuro especular sobre os rumos da política externa de um país como o Brasil, cuja prioridade é crescer, mas com justiça social e a custos controlados, num mundo em que as principais economias estão mais voltadas para o atendimento de seus interesses nacionais do que para o fortalecimento da cooperação multilateral”, diz o diplomata aposentado José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Conselho Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

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