O Brasil atingiu a triste marca de 500 mil mortes provocadas pelo novo coronavírus em 459 dias de pandemia. A atual situação da pandemia no país é de aceleração do contágio, ao mesmo tempo em que os primeiros efeitos da vacinação sobre a trajetória geral da doença são esperados somente para o último trimestre de 2021.
O marco alcançado solidifica o Brasil como o segundo país do mundo com maior número de vítimas fatais da Covid-19 atrás apenas dos Estados Unidos.
Neste sábado (19), o país totalizou 500.022 mortes por Covid-19, e 17. 822.659 casos confirmados. O balanço é feito por veículos de impresa por meio de dados das secretarias estaduais de saíde.
Neste mês de junho, a média móvel de sete dias de novos casos e novos óbitos causados pela Covid-19 vem registrando uma aceleração, chegando atualmente à marca de mais de 72 mil novos casos por dia em média e de mais de 2 mil novas mortes todos os dias.
A média é um instrumento estatístico que busca amenizar variações nos dados, como os que costumam acontecer aos finais de semana e feriados. O dado é calculado pela soma das mortes dos últimos sete dias e pela divisão do resultado por sete.
Especialistas alertam que cuidados básicos como uso de máscara, distanciamento social e higiene das mãos devem ser mantidos mesmo após a aplicação das duas doses do imunizante, uma vez que nenhuma vacina garante 100% de proteção contra a doença.
Relembre as trágicas datas da Covid-19 no Brasil:
1ª morte por Covid-19
- Dia 12 de março de 2020
100 mil mortes por Covid-19
- Dia 8 de agosto de 2020 (após 149 dias da 1ª morte)
200 mil mortes por Covid-19
- Dia 1º de janeiro de 2021 (após 152 dias das 100 mil mortes)
300 mil mortes por Covid-19
- Dia 24 de março de 2021 (após 76 dias das 200 mil mortes)
400 mil mortes por Covid-19
- Dia 29 de abril de 2021 (após 36 dias das 300 mil mortes)
500 mil mortes por Covid-19
- Dia 19 de junho de 2021 (após 51 dias das 400 mil mortes)
No dia 15 de junho do ano passado, tínhamos cerca de 50 mil mortos. Em 12 meses tivemos um aumento de dez vezes nas mortes, algo explosivo.
O Brasil estava com 252 mil mortes em 22 de fevereiro deste ano. Elas dobraram em quatro meses. A segunda onda produziu a maior mortalidade da história do Brasil para os meses de março e abril. Foram os dois meses mais letais da nossa história.
Em março chegamos a mais de 4 mil mortes/dia. E a expectativa é que, com o inverno, com o relaxamento do isolamento e o não crescimento adequado da aplicação da segunda dose da vacina, a gente possa voltar nas próximas semanas aos níveis que tivemos em março, ou chegar bem perto disso. É como se o Brasil tivesse desistido de combater a pandemia neste momento.
Especialistas alertam que isso mostra que o Brasil não olhou para essa pandemia com a seriedade e a gravidade com que ela deveria ter sido encarada.
“São dezesseis meses de pandemia, quase 500 mil mortos, e ainda não temos um comando central oferecendo diretrizes nacionais para se combater a pandemia. É inacreditável. Daqui a 50 anos, quando a pandemia for contada nos livros de história do Brasil, ninguém vai acreditar”, afirma o médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke (EUA), Miguel Nicolelis.
Brasil pode passar EUA em mortes por Covid-19
Na avaliação dele, o país já vive a terceira onda da pandemia do coronavírus que, por ocorrer no inverno, tem grandes chances de ser tão letal quanto a segunda.
“Em janeiro alertei que, se não fizéssemos um lockdown nacional, teríamos dificuldade de enterrar nossos mortos. E fomos de 250 mil para 500 mil em quatro meses. Essa métrica não dá para ser ignorada. Vamos passar os EUA e nos tornar o país com o maior número de mortes por Covid-19 no mundo, apesar de termos uma população menor. Só que lá a campanha de vacinação em massa feita desde janeiro deu resultado, eles já conseguiram alcançar cerca de 44% da população com as duas doses, e tiveram uma queda abrupta de 4 mil mortes por dia para 350 e reduziram mais de vinte vezes o número de casos diários”.
O professor alerta ainda que o Brasil deve ultrapassar os EUA em cidadãos mortos pela Covid-19 e acusa o governo federal de não ter se esforçado para evitar a tragédia causada pela pandemia.
“Tudo isso porque não fizemos o que países que entenderam um pouco melhor a dinâmica desse vírus fizeram. Quando houve uma queda de casos e óbitos nós achamos que era o fim da pandemia, que não era preciso manter as restrições”, afirma Nicolelis.
“É algo assustador. E não aprendemos as lições. O governo federal conseguiu não fazer nada com eficiência, não tomou as decisões corretas, não criou um comando central, não houve mensagem nacional, não se fez um lockdown nacional, não se fez um bloqueio das estradas nem se fechou o espaço aéreo. E ainda não conseguimos vacinar as pessoas nos níveis necessários”, completa.
3ª onda de coronavírus em meio ao inverno brasileiro
A terceira onda já começou e vai seguir no inverno, avalia o cientista.
“Ela tem potencial letal extraordinário, tanto que já voltamos à média de 2 mil mortes por dia. Já somos, de novo, o país com mais mortes por dia, com aproximadamente 25% das mortes (por Covid-19) no mundo. A pandemia do coronavírus expôs toda a nossa falta de preparo político para lidar com as catástrofes do século XXI, como questões ambientais e de saúde. Os interesses políticos e econômicos parecem ser superiores à preocupação com as vidas humanas.”
O Chile vacinou mais de 60% de sua população mas achou que só a vacinação funcionaria. Então reabriram o país e depois tiveram que fechar. Um dos poucos bons exemplos da segunda onda que foi o de Araraquara, mas vai ter que fechar de novo, porque a taxa de ocupação das UTIs voltou a explodir e o número de óbitos voltou a aumentar.
O médico sanitarista, ex-presidente e fundador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina Neto, também prevê uma aceleração da pandemia no Brasil nas próximas semanas, e dada a ainda baixa cobertura da vacinação —da ordem de 11% com as duas doses de uma vacina— e a ausência do isolamento social, não descarta que a pandemia possa voltar ao pior patamar registrado entre março e abril.
“O que vai acontecer em termos de mortes daqui para frente, num primeiro momento é aceleração. Nós estamos vivendo a chegada dessas novas variantes e a variante indiana vai dar um baile na gente como deu na Índia”, afirmou Vecina.
UTIs lotadas e variante indiana
É a estratégia sanfona: você espera cruzar de 80 a 90% de ocupação dos leitos de UTI — que, aliás, não deveria servir de norte desse jeito, pois isso não é um critério epidemiológico — para começar a fazer medidas paliativas, fechar algumas coisas e interromper alguns fluxos.
Por isso, há uma queda temporária, mas depois de algumas semanas você experimenta outras subidas. E as taxas de ocupação nunca caem sensivelmente. Estamos com equipes de saúde totalmente esgotadas e sem insumos médicos suficientes. E essa terceira onda, se vier na magnitude da segunda, vai pegar o país numa situação muito pior, do ponto de vista hospitalar.
Falta de insumos e equipes médicas depauperadas, dificuldade de aumentar leitos porque já estamos no limite, e com um sistema hospitalar que colapsou, com várias capitais com ocupação de UTI acima de 90%. Só precisamos olhar o que aconteceu na Índia para ver o que podemos experimentar sem um sistema hospitalar funcionando.
A variante indiana já representa 90% dos casos no Reino Unido e ela afetou crianças. EUA, Índia, sudeste asiático e Brasil apresentam um número muito maior de jovens e crianças infectadas.
“Por exemplo, no Mato Grosso do Sul, não são só as UTIs adultas lotadas, as pediátricas também estão. Em março eu vi as UTIs neonatais e as obstétricas lotadas. Estamos tendo um número muito grande de gestantes infectadas, o que é recorde.”
Vacinação em ritmo lento e sem coordenação nacional
“A curva de vacinação atual mostra que o ritmo de aplicação da primeira dose está crescendo muito mais rapidamente do que a da segunda dose, que tem um formato achatado. Ela mal cresce diariamente. Temos apenas 11% da população vacinada com as duas doses, e isso é muito pouco.”
Gonzalo Vecina também criticou a falta de uma campanha das três esferas de governo para chamarem as pessoas a se vacinarem e criticou, principalmente, a gestão do governo federal na pandemia e as constantes falas do presidente Jair Bolsonaro contra o uso de máscara, contra as vacinas e contra o isolamento social.
“Nós não temos uma coordenação nacional”, disse. “Tirar o uso de máscara é criminoso. A população precisa saber que isso é criminoso. Tirar o uso de máscara será um desastre na sociedade brasileira”, acrescentou, referindo-se à declaração do presidente que defendeu o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras para os já vacinados e para os que já contraíram a doença, contrariando, mais uma vez, as recomendações de especialistas nacionais e internacionais.
Dados da pesquisa na cidade de Serrana, no interior de SP, indicam que uma retomada mais segura da vida normal deve ser feita quando pelo menos 60% de toda a população estiver imunizada, ou pelo menos 75% da população adulta. A cidade viu uma queda de 95% no número de óbitos após ter alcançado mais de 95% da população adulta completamente imunizada.
Isolamento social e uso de máscaras seguem como palavras-chave
O isolamento social, também tão atacado por Bolsonaro diariamente, é apontado por especialistas como medida crucial de combate à pandemia, aliado à vacinação da população que, também um consenso entre eles, precisa ganhar tração no Brasil.
“Está dependendo muito da vacinação, já que pelo visto ninguém concorda em diminuir a mobilidade um pouco mais. Isso também poderia ser uma coisa que ajudaria a baixar um pouco até que a gente conseguisse vacinar. Seria o ideal”, disse a imunologista Ester Sabino, professora do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP).
“A gente realmente precisa aumentar muito a vacinação muito rapidamente. A palavra-chave seria essa, associada à questão da mobilidade”, acrescentou.
Embora a vacinação contra a Covid-19 no Brasil já tenha mostrado resultados, ao reduzir as internações entre os idosos, grupo que recebeu a vacina após os profissionais de saúde da linha de frente, um impacto da imunização sobre a trajetória da doença no Brasil não é esperado tão já.
A expectativa é de que seja possível sentir os efeitos da vacinação nos indicadores gerais da pandemia entre o final de setembro e outubro, já levando em conta as antecipações recentes no calendário de vacinação anunciadas por algumas autoridades locais.
Esse cenário, no entanto, depende do cumprimento das promessas de entregas de doses e do não surgimento de novas variantes capazes de driblar os efeitos das vacinas.
“Agora que optaram fazer (a vacinação) por faixa etária, acho que a coisa anda”, disse o médico, epidemiologista e professor da USP Paulo Lotufo.
O Plano Nacional de Imunização determinou que os idosos, aqueles com mais de 60 anos, fossem vacinadas inicialmente e depois as pessoas com comorbidades, também por ordem de faixa etária.
“Essa história das tais comorbidades e os profissionais de saúde lentificou muito a aplicação, porque as pessoas ficavam muito tempo controlando atestados e outras coisas e não fizeram o fundamental que era buscar quem faltava tomar a segunda dose.