“Não vamos nos alinhar com o Sul-Sudeste”, diz Renato Casagrande


Dos sete governadores das duas regiões mais ricas do país, apenas o capixaba apoiou a eleição do presidente Lula. Por isso, defende a permanência dos ministros do PSB no governo e, na reforma tributária, estará ao lado dos estados mais pobres

Para o governador do estado com menor PIB do consórcio dos mais ricos do país, o Espírito Santo se posicionará ao lado das regiões mais carentes no debate da reforma tributária. Renato Casagrande é contra o modelo de governança do Fundo de Desenvolvimento Regional que dá peso maior aos estados mais populosos. E critica a proposta do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), de articular uma frente dos estados ricos para barrar benefícios aos mais pobres. “Se alguém tem interesse em usar o consórcio para qualquer projeto eleitoral, o consórcio estará fadado ao fracasso”, sentenciou.

Na entrevista que deu ao Correio Braziliense, em seu gabinete no Palácio Anchieta, em Vitória, Casagrande também comentou o risco que o seu partido, o PSB, corre de perder espaço na reforma ministerial que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está patrocinando para incorporar à base governista legendas do Centrão. “Não é natural que ele retire aliados de primeira hora”, disse o governador, sobre essa possibilidade.

Renato Casagrande também falou dos compromissos com a agenda ambiental, uma prioridade planetária diante da emergência climática. Veja os principais trechos da entrevista.

Como o senhor avalia a declaração do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, de que o Consórcio Sul-Sudeste deveria se contrapor aos benefícios que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste recebem do governo federal?

Naturalmente, não representa o meu pensamento e, acredito, nem o do consórcio. O espírito é organizar um instrumento para integrar políticas públicas entre os estados do Sul e do Sudeste e ser um instrumento de diálogo com as demais regiões do país, para ajudar o Brasil a se desenvolver. O consórcio não está aqui para disputar nada com nenhum outro consórcio, com nenhuma região. Estamos nos organizando, seja em consórcios, seja no Fórum dos Governadores, para dar aos estados protagonismo para incluir cada vez mais brasileiros em uma vida de boa qualidade. Esse é o espírito, e não fazer frente a nenhuma outra região do Brasil.

Minas Gerais e Espírito Santos são muito ligados econômica e socialmente. E ambos se favorecem de benefícios fiscais destinados ao Nordeste, por meio da Sudene, da Codevasf. Zema ignora esse fato propositalmente?

Essa é uma pergunta que precisa ser feita a ele, mas nenhum outro governador do Sul-Sudeste manifestou apoio. Temos a esperança de que tenha sido um ato falho, de que não represente o que pensa o governador Zema.

Foi uma declaração política? Ele está antecipando a corrida presidencial de olho no eleitorado órfão com a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro?

É difícil fazer essa avaliação. O Consórcio Sul-Sudeste não tem objetivo eleitoral. Se alguém acha que pode ir por esse caminho, se alguém tem interesse em usar o consórcio para qualquer projeto eleitoral, o consórcio estará fadado ao fracasso.

Há um contexto mais amplo nessa polêmica, que é a reforma tributária. O Espírito Santo está na região mais rica do país, tem uma situação fiscal confortável, mas é o sócio mais pobre do Consórcio Sul-Sudeste. Como o senhor avalia o atual estágio do debate da reforma?

Em diversos pontos, o Espírito Santo tem um alinhamento maior com o Centro-Oeste, o Norte e o Nordeste. Por exemplo, na governança do Conselho Federativo (proposto para equacionar a divisão de recursos entre os estados). Nós não defendemos uma governança que leve em consideração um peso maior da população. A síntese da reforma tributária já favorece estados populosos. A partir do momento em que se passa a cobrar tributos no destino (e não na origem) já torna os estados populosos mais atraentes para investimentos. Se colocar mais peso na população, vai aumentar o desequilíbrio, pode provocar uma concentração de riquezas em alguns estados e redução em outros.

Historicamente, isso já acontece…

Sim, por isso, o novo sistema tributário nacional não pode ser um instrumento de concentração regional de renda e de riqueza. Temos que votar medidas para equilibrar o jogo. O Espírito Santo não tem alinhamento, por exemplo, com o critério de governança defendido pelos outros estados do Sul-Sudeste, e não terá com o critério de distribuição do Fundo de Desenvolvimento Regional. Minas, Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina certamente, irão defender o critério em que a população tenha peso maior. O Espírito Santo, não. Defenderemos critérios de estados mais pobres e com menor população.

Como deve ser a gestão desse fundo?

Nós já temos a decisão sobre o Fundo de Desenvolvimento Regional, só não temos o critério. O Espírito Santo se alinhará mais com o Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Na hora de discutir critérios para distribuição do fundo não vamos nos alinhar com estados do Sul e do Sudeste. Isso é natural, meus colegas governadores já sabem disso. É minha responsabilidade fazer com que meu estado não tenha prejuízos.

O senhor é o único governador do Sul-Sudeste que apoiou a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. A maioria apostou na reeleição de Jair Bolsonaro. Isso dificulta a sua posição no consórcio?

Não dificulta. As posições são abertas, públicas, não há meias palavras, omissões, interesses ocultos. O que há é uma característica do Espírito Santo: em alguns pontos, não nos alinhamos com os interesses dos estados mais populosos. Mas nós temos um estado que, desde 2012, quando o governei pela primeira vez, é nota máxima em gestão fiscal. Já fizemos o nosso dever de casa mesmo em um ambiente de caos tributário em que a gente vive.

E com uma pandemia no meio…

E, mesmo com a pandemia, ainda criamos um fundo soberano, o único do país. Nosso estado precisa ser observado. Nós temos uma realidade diferente e, nessa hora, não dá para abrir mão de defender aquilo que nós conquistamos nesses últimos anos.

O Espírito Santo tem, tanto na Câmara como no Senado, bancadas de oposição ao governo Lula e ao senhor. É possível caminhar junto nesse debate da reforma tributária?

Na Câmara, tivemos apoio de sete dos 10 deputados federais. No Senado, tem um voto contrário declarado, do senador Magno Malta (PL). Fabiano Contarato (PT) está envolvido com os interesses do Espírito Santo. E vou procurar o senador Marcos Do Val (Podemos). Mesmo a quem for contra a reforma vou pedir apoio para os pontos de interesse do Espírito Santo.

O presidente Lula está negociando a entrada de novos aliados do Centrão na base governista. Mas, para abrir espaço, é preciso mover peças na Esplanada. O seu partido, o PSB, pode ceder uma das cadeiras que detém hoje? As vagas de Márcio França (Portos e Aeroportos) e do próprio Geraldo Alckmin (no Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) são cobiçadas.

Vejo de forma natural o presidente Lula buscar a ampliação de sua base no Congresso. O maior desafio do presidente é governar com um Congresso majoritariamente conservador. Mas o governo é grande, e não é natural que ele retire aliados de primeira hora. Não é natural que o PSB ou o PT perca apoios, seria um sinal ruim de comportamento político. Há espaço no governo para esses partidos, não precisa ser o espaço em que está o PSB. Há outros espaços ocupados por pessoas que não são ligadas a partido nenhum, tem pessoas que não estão dando o resultado esperado. Alckmin tem uma relação excelente com o setor produtivo industrial, Márcio França é uma pessoa supercompetente, e tem Flávio Dino (da Justiça e Segurança Pública), todos estão vendo o desempenho, o comportamento dele. Não precisamos mudar quem está dando bons resultados.

Que futuro o senhor vê para o governo Lula?

Um bom futuro. O presidente Lula está alinhado com temas políticos de interesse do planeta, seja nas relações internacionais, seja na transição energética, com a preservação do planeta, na redução de emissões (do efeito estufa), na preservação da Amazônia e dos demais biomas. Acho que Lula está em sintonia com esses temas. E tem o ministro (da Fazenda) Fernando Haddad, que está conduzindo bem a economia.


O senhor teve que fazer composições políticas locais para governar um estado que votou majoritariamente em Bolsonaro. Que lições podem ser aproveitadas?

Foi minha capacidade de relacionamento tanto à esquerda quanto à direita que me permitiu ganhar a eleição no estado que deu maioria de votos para Bolsonaro. Foi o resultado do meu primeiro mandato, de 2019 a 2022, e a minha capacidade diálogo que permitiram que eu fosse o único governador do Brasil que apoiou Lula a ganhar uma eleição em um estado em que ele perdeu a disputa presidencial.

O senhor tem feito muitos anúncios de investimentos para o estado, está criando a primeira Zona de Processamento de Exportações do país, vai receber a primeira planta de hidrogênio verde, mas ainda enfrenta gargalos logísticos, como rodovias federais sem duplicação e uma malha ferroviária que precisa ser expandida. O que dá para fazer nos próximos dois ou três anos?

O ES é equilibrado, organizado na área fiscal, na área política, temos capacidade de diálogo com a sociedade. De 2019 a 2022, investimos com recursos nossos e da nossa empresa de saneamento R$ 9,5 bilhões em investimentos em infraestrutura. De 2023 a 2026 vamos fazer mais de R$ 10 bilhões. E estamos em conversa muito forte com o governo federal para que resolva o que é da sua responsabilidade, como a duplicação da BR-101 (que corta o estado de norte a sul), da BR-262 (que liga Vitória a Belo Horizonte), a Ferrovia Litorânea Sul, a conexão da malha ferroviária capixaba com a malha nacional. Ao mesmo tempo, temos algumas conquistas, como a primeira ZPE (Zona de Processamento de Exportações) privada do Brasil. Com essa ZPE, temos a possibilidade de investir ainda mais na área industrial e na área de exportação. O Espírito Santo é um estado com comércio internacional forte, temos um porto privatizado, temos um porto privado sendo construído no Norte do estado, em Aracruz, que, em 2025, estará em operação. Nossa plataforma logística é boa, mas depende dessa parceria com o governo federal, que precisa avançar.


O governo federal está em dívida com o seu estado?

A União deve ao Espírito Santo, principalmente, em termos de investimentos. Veja a BR-101, que começou a ser duplicada, mas a obra parou, e nós estamos tentando retomar agora. Historicamente, a União não conseguiu, na área de infraestrutura, resolver os gargalos que temos aqui.

A transição energética é prioridade da agenda global. Como o Espírito Santo se posiciona diante dos desafios que a emergência climática impõe?

Eu coordeno o consórcio Governadores pelo Clima — o Consórcio Brasil Verde. Temos uma preocupação muito grande com a preservação e recuperação dos nossos biomas. Os estados estão também investindo muito em energia renovável. A Petrobras tem que ser uma empresa de energia que nos ajude na transição energética. O petróleo vai continuar existindo, mas a gente sabe que precisamos substituí-lo por outras fontes de energia. O uso do gás natural é uma possibilidade real de reduzir as emissões de gases do efeito estufa. O hidrogênio verde é uma possibilidade real de exportarmos energia. A janela de oportunidade para o Brasil é muito grande.

O que um estado pequeno como o Espírito Santo pode oferecer, neste momento, para colaborar com o enfrentamento da crise climática?

Nós temos um programa de mudanças climáticas dentro do governo com políticas como o Reflorestar, um programa de recomposição florestal. Já recuperamos 13 mil hectares de florestas e estamos acompanhando a regeneração de mais 225 mil hectares. Temos um programa em que financiamos energia renovável, estamos usando no governo geração solar. Toda a energia usada pelo governo será renovável, estamos em processo de contratação de toda a energia que consumimos. Lançamos o Fundo Cidades, em que aportamos R$ 240 milhões para financiar municípios em obras de adaptação, de preservação de águas, contenção de encostas, macrodrenagem, proteção do mar, tudo para que possamos enfrentar, já, as mudanças climáticas, que já representam uma realidade no mundo, no país e no nosso estado.

O que tem sido feito para proteger populações que moram em beira de rio, várzeas, em habitações inseguras dos efeitos climáticos extremos?

Primeiramente, fizemos um trabalho de prevenção, com limpeza de rios, monitoramento para alertar a população em caso de inundação. Temos parceria nesse sentido com a Agência Nacional de Águas (ANA) e com o Serviço Geológico do Brasil (SGB, antiga CPRM) na Bacia do Rio Doce. Montamos isso também na Bacia do Rio Itapemirim, outro rio importante, no Sul do estado. Ampliamos as estações hidrometeorológicas e montamos um centro de inteligência de Defesa Civil, que reúne vários órgãos. A gente monitora todos os eventos climáticos extremos, para alertar as defesas civis dos municípios. Financiamos obras para aumentar a resiliência dos municípios aos eventos climáticos extremos, principalmente chuvas intensas que todos os anos impactam o estado. Também estamos trabalhando na fiscalização do desmatamento e na ampliação da nossa base de cobertura florestal.

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