Miguel Lucena
Advogado, jornalista e poeta popular
Sérgio de Castro Pinto é desses poetas que, ao lê-lo, a gente sente algo se deslocar dentro do olhar. Poeta paraibano, moderno e certeiro na palavra, poderia estar ao lado de Drummond, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto no panteão dos gigantes. Não está — dizem — porque nunca saiu da Paraíba, embora eu nao concorde que não esteja. Mas sua poesia, essa sim, já deu a volta ao mundo.
No livro Folha Corrida – Poemas Escolhidos (1967-2017), que reúne cinquenta anos de produção poética, o poeta setentão confessa, em versos, a sensação de quem agora arrasta os pés, tropeçando em versos de pés quebrados. Pensa não mais se inspirar — apenas inspirar cuidados. A palavra “cuidado” talvez seja mesmo a mais justa para definir o que ele faz com os versos: toca-os com precisão cirúrgica, moldando imagens que agarram o leitor pelo colarinho e o obrigam a enxergar o que antes passava despercebido.
Quando eu tinha um ano de idade, em 1967, Sérgio de Castro Pinto vestiu a pele de Lampião e, num poema, capturou a essência ambígua do cangaceiro que via o mundo com dois olhos distintos:
“o olho aberto
via pra fora,
o olho cego
via pra dentro,
e com o fuzil
vendo a hora,
Lampião era dois:
o olho de dentro,
o olho de fora”.
Essa capacidade de enxergar o mundo sob diferentes perspectivas acompanha toda a obra do poeta. Como uma coruja à noite, seus versos têm olhos que “saltam aos olhos a olhos vistos”, revelando o que se esconde na penumbra do cotidiano. Não à toa, Sérgio de Castro Pinto é reconhecido pela crítica literária como mestre na construção imagética. Sua poesia já foi estudada em teses acadêmicas e integra antologias em Portugal, Espanha e Estados Unidos, além de figurar em coletâneas brasileiras como Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século e Sincretismo: a Poesia da Geração de 60.
Seu livro Zôo Imaginário, premiado pela União Brasileira de Escritores com o Prêmio Guilherme de Almeida, mostra o poeta em pleno domínio da linguagem, transformando o reino animal em metáfora da condição humana. E se ao longo do caminho o poeta tropeça em versos de pés quebrados, é porque sabe que a poesia não nasce da perfeição, mas da fratura.
Como poeta popular, posso dizer que, ao ler Sérgio de Castro Pinto, tirei um argueiro do meu olho: “haicai da paisagem em pó convertido, feudo loteado no olho — o argueiro é ainda o rochedo de Sísifo”.