ALDO LOPES
Hildeberto Barbosa Filho carrega nas costas um fardo imenso de leituras e conhece como ninguém as peripécias narrativas do mundo, das Itacoatiaras do Ingá ao livro digital, de Zé da Caverna a Umberto Eco e Bob Dylan. Daí ser moleza para ele mandar dois dedos de prosa sobre esses escritos de Tião Lucena. Tendo como modelo a narrativa breve, Tião explora a vertente trágica de seus personagens, como faz Nelson Rodrigues. Os tipos humanos descritos por esse princesense são viventes municipais de carne e osso. Como exemplo temos o caso de um iminente crime de feminicídio. A cena do crime está toda montada, a violência em vias de saltar aos olhos do leitor mais atento, quando Tião desconstrói o previsível e transforma o texto numa peça risível, cômica. O “valentão” olha para a mulher e contra ela “dispara dois tiros com a boca”. E assim, nada acontece, entre mostos e feridos escapam todos.
Essa receita de escritor – sou testemunha – Tião aprendeu na feira de Princesa, escutando as histórias do povo, enquanto auxiliava seu Miguel no ofício de retratista. Parece que estou a ver aquele menino magro, o cabelo grande, uma calça boca de sino e um sapato cavalo de aço, ícone dos jovens da época. Com uma tesoura à mão, o futuro craque da redação de A União cortava a feiura do povo a 3×4, enquanto seu Miguel botava a cabeça dentro daquele saco, para ficar mexendo nos elementos dentro da caixa quadrada sobre o tripé. Pai e filho naquela vida lambe-lambe.
Eu era pequeno e passeava com mamãe no meio da feira e jurava que tinha visto um monstro de três pernas, cabeça quadrada e olho de vidro, um olho só na testona de madeira. Mamãe disse que aquilo era uma máquina de fazer retrato. Depois que seu Miguel tirou a cabeça de dentro do saco, mamãe falou com ele e me sentou num tamborete. “Olhos abertos”, gritou seu Miguel. Quando saiu o retrato eu estava com a cara franzida por conta do sol, a mesma que tenho hoje aos 65 anos de idade, agora engelhada por conta da quentura dessas lembranças me incendiando por dentro.