EDMILSON LUCENA
A sociedade atual medicaliza demais a vida e a morte. Tanto a reprodução – controlada por hormônios artificiais quando não é feita em laboratório – quanto o nascimento e a morte, tudo é abandonado nas mãos frias dos médicos.
Ora, nada mais natural que nascer e que morrer. Desde que o mundo é mundo, as pessoas nascem e morrem. E desde que o mundo é mundo estes momentos são melhor vividos em um ambiente familiar, não em salas assépticas com maquininhas fazendo “bip” e tubos cravados nas veias.
Uma amiga minha teve sua caçula em casa; foi um parto feliz. Se houvesse algum problema, ela sempre poderia ter se deslocado ao hospital mais próximo. Como não houve, não foi necessário colocar-se nos domínios de um desconhecido envelopado em roupas verdes, com uma máscara a cobrir o rosto como um bandido de filme antigo.
Médicos têm uma função importantíssima na sociedade, que é tratar das doenças; o problema é só que parto não é doença. Pode haver, e há, partos problemáticos, em que é necessária a presença deles, como é necessária a ação de médicos quando alguém se queima gravemente na cozinha, bate com o carro, bebe demais… Mas isso não é razão para que se cozinhe no hospital, não em casa; ou para que só se dirija com um médico ao lado.
Ao contrário, até: a excessiva medicalização de coisas tão naturais quanto o parto acaba gerando outros problemas, como as cesarianas desnecessárias, feitas para que seja possível agendar o parto e facilitar a vida do médico. A própria presença em um hospital – que, convenhamos, é um lugar cheio de gente doente – aumenta o perigo de infecções.
Em francês, as parteiras são ditas sages-femmes, “mulheres sábias”. Conheço uma dessas sapientíssimas mulheres, hoje de saudosa memória; ela “aparou”, décadas atrás, uma criança que me é muito querida: eu mesmo.