1 – Quando o real foi criado o brasileiro finalmente se gabou de ter ficado pareado ao americano. Na moeda, pelo menos, estava. Um real valia um dólar, o que o dólar comprava, o real comprava também. Depois o dólar foi se mantendo e crescendo e o real afundando. Hoje nem nota de 1 real existe mais. Só moeda e moeda de pouco futuro.
2 – Com cem reais cansei de fazer feira de encher bagageiro de carro, despensa de casa, congelador de geladeira e balaios incontáveis. Hoje tem garrafa de cana a 500 reais, eu falei cana, cachaça, coisa que no meu tempo de menino era destinada aos bicadeiros bundas lisas que não podiam beber uísque Drurys ou conhaque Dreher.
3 – Semana passada estivemos em Dona Francisca para comer bode com cuscuz. Ao final, Gerbase pagou a conta. O equivalente a cinco pratos de cuscuz somou, se não me enganei ao ver, à distância, ele tirar as notas da carteira, mais de 300 reais.
4 – Se fosse no tempo de meu pai, uma despesa dessas obrigaria o beneficiário do prato a passar uma semana inteira sem cagar, para aproveitar ao máximo as vitaminas ingeridas.
5 – Pedro Macedo Marinho, de passagem pelo Ponto de Cem Réis, documentou cenas constrangedoras de pessoas dormindo ao relento, bêbadas, drogadas, prostituídas, abandonadas, ao Deus dará.
6 – Só lembrando que, não faz tanto tempo assim, o Ponto de Cem Réis foi um dos mais bonitos cartões postais da cidade. Para ali convergiam a boemia, os brotos, os malandros, os intelectuais e as putas, tudo numa harmonia de orquestra sinfônica, uma verdadeira beleza.
7 – Nos arredores havia o Café São Braz que juntava, ao redor do balcão, os que queriam se atualizar sobre os assuntos do dia. Deputados bem vestidos se misturavam com gente do povo e a democracia imperava.E as lanchonetes do entorno serviam desde o prato fino ao PF à base de feijão, arroz e carne guisada. Não esquecendo a sopa do final do dia, que tapeava a barriga de quem não podia degustar o filé à lá broche.
8 – Mais para baixo, entrando na 13 de Maio, a Fava de Efraim ditava as regras e juntava o time de jornalistas que tirava a poeira de mais um dia de labuta tomando uma meiota com fava “urêia de Véia”, enquanto na radiola de fichas se ouvia Valdick Soriano a dizer que não era cachorro não.
9 – O passeio chegava à Flor da Paraíba, que olhava para a Lagoa, linda e iluminada, por onde desfilavam as putas oferecidas a cata de dezminrréis de amor.
10 – E lá na ala direita de quem desce do Ponto de Cem Réis, surgia, majestoso e imbatível, o disputado Cassino da Lagoa, pasto de intelectuais, de políticos e de madames, que disputavam a tapa as mesas ornamentadas com toalhas de linho branco, sobre as quais descansavam os cotovelos preciosos de Virginius, de Eilzo, de Sílvio Porto e de Biu Ramos.
11 – E agora lá se vão meus abraços sabadais para Eduardo Mayer, Gustavo Leite Urquiza, Sebastião Rogal, José Amaro Pinheiro, Vivian Oliveira, Richomer Barros, Suetoni Lucena Souto Maior, Kubi Pinheiro, André Cananéia, Luiz Carlos, Alarico Correia Neto, Walter de Souza, Cláudio Gomes, Joaz de Brito Pereira Filho, Fernando Enéas, Antonio Costa e Chico Alicate.
12 – Contada por Domingos Sávio Maximiano Roberto, o Dominguinhos de Seu Nequim e Dona Hosana:
Benedito Chibata era um princesense por adoção. Nasceu na cidade pernambucana de São José do Egito, de onde veio, ainda rapaz, se radicar em Princesa, terra que adotou como sua. Era um negro alto, de boa compleição física, bem-humorado, muito trabalhador e, há quem diga, muito bem-dotado.
Em Princesa, trabalhava como motorista de caminhões e também como mecânico daqueles veículos. Querido por todos, prestava serviços aos principais comerciantes do lugar: Elizeu Patriota; “seu” Mano; Miguel Rodrigues; Joaquim Mariano, dentre outros proprietários de caminhões.
Chibata gostava de namorar e de dançar e não perdia um “bolo doce” daqueles que ocorriam na garagem de Toinho Fernandes. Certa vez, num Sábado de Aleluia, logo após a missa em que o padre encontrou o Salvador “pingo de sangue”, Chibata foi se divertir no forró da Rua São Roque.
Após tomar bastante cerveja, o “negão” resolveu ir verter água. Saiu do salão e dirigiu-se ao muro dos Correios. Ali, na penumbra, puxou a ferramenta e começou a mijar. Observou, no entanto, que logo que saiu do salão, foi acompanhado por homem de meia idade.
O homem que o acompanhou era um professor (de quem não posso declinar o nome) já coroa, casado, mas que gostava de admirar jovens rapazes. Qual não foi a surpresa de Chibata, quando, mesmo sob pouca luz, ouviu a indiscreta pergunta do anônimo acompanhante:
– Eita, o que é isso que está escrito na cabeça dela?
– Oxente, e o senhor tá olhando, por quê? – Retrucou Chibata.
– Nada não. É só curiosidade, mas, o que significa essa inscrição “buco”?
O negão Chibata riu, e disse:
– Ah… isso aqui é uma tatuagem que eu mandei fazer lá em Campina Grande, mas, só dá pra ler quando ela está dura.
– E o que é que está escrito? – Perguntou o professor
Rindo e mijando, Chibata respondeu:
– Está escrito: “Saudades do meu querido estado de Pernambuco”.
O professor fez o sinal da Cruz e disse:
– Ave maria, Deus me defenda! – E saiu às pressas.