Um pedido de vista do ministro Flávio Dino deixou em suspense uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre um tema relevante para as famílias que decidem adotar uma criança. Uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República contesta as disparidades legais para a licença-maternidade concedida a partir de uma gestação ou adoção. O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, votou a favor da isonomia.
O foco da ação é equiparar as regras legais para o instituto da licença-maternidade, seja ela oriunda de gestação, seja de adoção, de modo que estejam ambas submetidas a mesmo regime jurídico, independentemente do vínculo de trabalho da mãe. Ao analisar o caso, Alexandre de Moraes considerou: “A formação do vínculo familiar por meio de adoção tem características próprias, em comparação com a gestação biológica, especialmente aquelas relacionadas ao peculiar estado da mulher e da criança, durante e após a gestação, porém está igualmente protegida pela garantia da convivência integral com a mãe de maneira harmônica e segura”.
Concordou, assim, com o argumento da Procuradoria-Geral da República. A ação, de outubro de 2023, é assinada pela subprocuradora-geral da República Elizeta Maria de Paiva, que esteve à frente do Ministério Público Federal na transição entre os mandatos de Augusto Aras e Paulo Gonet. Na peça inicial, ela sustenta: “A leitura individualista da licença-maternidade como um direito de cunho exclusivamente biológico, justificado tão somente na recuperação da mulher após o parto, encontra-se ultrapassada.Trata-se, na atualidade, de direito partilhado de forma indissociável no âmbito da unidade familiar, compreensão essa que melhor se coaduna com a interpretação sistêmica e atualizada das normas e preceitos constitucionais”.
Está em questão a leitura das leis relacionadas aos empregados e servidores públicos com o olhar da Constituição que estabelece os princípios da igualdade (art. 5º. caput), do direito à proteção da maternidade, da infância e da adolescência e dever estatal de proteger a família ( art. 6º, c/carts. 201, II, 203, I, e 226, caput), da igualdade no exercício de direitos e de deveres referentes à sociedade conjugal (art. 226, §5º), da liberdade de planejamento familiar ( art. 226, § 7º), da proteção integral e do melhor interesse da criança e direito da criança à convivência familiar a salvo de toda forma de discriminação (art. 227, caput) e proibição de discriminação no tratamento jurídico entre filhos (art. 227, § 6º).
O julgamento foi iniciado em 2 de agosto em plenário virtual, com término previsto para uma semana depois. Alexandre de Moraes foi o único a votar. Ele julgou a ação procedente em parte. Mas no que se refere a servidoras públicas e do Ministério Público avaliou como inconstitucionais trechos da Lei 8.112/90 e da Lei Complementar 75/93 que estabelecem prazos diferenciados para mães de sangue e adotivas.
Nesses casos, pelas leis, a licença-maternidade para mães gestantes é de 120 dias e de no máximo 90 dias para quem adotou uma criança. Esse prazo vale para bebês de até um ano. Se a menina ou menino for mais velha, a dispensa do trabalho é de apenas 30 dias. No caso das empregadas regidas pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), o prazo de 120 dias é o mesmo para todas as mães. Segundo a PGR, essa diferenciação é inconstitucional.
Na ação, o Ministério Público também defende que o Programa Empresa Cidadã seja ampliado para todos os casais. A medida permite que empregadas de empresas participantes possam ter a licença prorrogada para 180 dias e os pais possam usufruir de 20 dias de afastamento. A lei que institui o programa permite o compartilhamento entre o casal do período de licença.
Moraes negou a equiparação dos direitos de servidoras públicas e da iniciativa privada. Tal isonomia, na visão do ministro, não está prevista em lei e representaria uma invasão da competência do Judiciário na seara do Legislativo. “Como recorrentemente destaco, apesar de independentes, os poderes do Estado devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional e afastando as práticas de ‘guerrilhas institucionais’, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na condução dos negócios públicos pelos agentes políticos”, ressaltou o ministro.
Depois de pedir vista, Flávio Dino tem 90 dias para apresentar seu voto, mas a retomada do julgamento depende da inclusão em pauta pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso.