Convocação de Paulo Guedes é recado do Congresso para Bolsonaro

Observadas de longe, duas decisões recentes da Câmara dos Deputados serviram para emitir sinais distintos, quase contraditórios, para medir o apoio do governo Bolsonaro na Casa.

Uma delas foi durante a análise do projeto de voto impresso. Embora derrotada (para avançar, era necessário o apoio de dois terços dos deputados), a proposta recebeu 229 votos favoráveis, numa demonstração de força do governo. Juntas, as oposições conseguiram 218 manifestações contrárias. O suficiente para bloquear grandes (e polêmicos) projetos, mas não para emplacar o impeachment, que exige o apoio de 342 deputados.

Exatos dois meses se passaram e a Câmara acaba de mandar outro sinal para o governo com a convocação, aprovada por 310 votos, de seu ministro da Economia. Paulo Guedes precisará explicar aos deputados por que diabos mantém, sem nunca ter revelado em público, tanto dinheiro em dólar num paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. Governistas tentaram transformar a convocação em convite. Em vão.

O número de deputados dispostos a constranger o ministro e explorar politicamente o episódio, como se pode notar, é mais próximo de 342. Entendedores entenderão.

Significa que Bolsonaro perdeu apoio na Casa, mesmo com centrão, com Arthur Lira (PP-AL) na presidência e tudo mais?

Não.

O recado ao governo, se há, é que os deputados não ficariam chateados, digamos assim, se Guedes fosse enxotado do posto. Guedes é o ministro que, antes mesmo de assumir, defendia em voz alta uma “prensa” no Congresso para aprovar as reformas idealizadas por ele. Tomou uma “prensa” como resposta e ainda ouviu comentários jocosos de que não sabia como funcionava o Parlamento.

Não há sinais de que a moral de Guedes tenha melhorado dali em diante.

Pelo contrário. Seu superministério é alvo da cobiça dos parceiros bolsonaristas do Centrão. Um de seus algozes é o ministro do Desenvolvimento Social, Rogério Marinho, com quem não se bica.

O sonho de consumo dos novos aliados é se livrar de Guedes e poder manejar o orçamento como bem entenderem, sem amarras ou tesouradas com vistas no impacto fiscal dos projetos pomposos em ano de eleição.

Em condições muito mais favoráveis do que as atuais, Guedes perdeu a linha, em 2019, durante a discussão sobre a reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Ele quase voou no pescoço do deputado Zeca Dirceu (PT-PR) quando ouviu a provocação de que era um tigrão com os aposentados e um “tchutchuca” com “a turma mais privilegiada”.

Não tinha no currículo ainda metade dos erros cometidos ao longo da gestão. Nem das declarações inaceitáveis em relação à turma menos privilegiada composta por empregadas que aproveitaram o câmbio para viajar e filhos de porteiro com acesso à universidade.

As contas no exterior são só o prato principal da nova convocação, que deve ter no cardápio ainda a alta do dólar, a inflação e a dieta do brasileiro que trocou carne por ossos e já não viaja.

Fiador da campanha de Bolsonaro, Guedes foi a ponte entre o atual presidente e atores importantes do mercado em 2018. Já não é sombra do superministro que prometia ser, mas é o que ainda segura os poucos fios a interligar o atual governo com a “turma mais privilegiada”. Seus representantes ainda têm nas reformas prometidas por Guedes um último argumento para não abandonar o barco de vez.

Bolsonaro sabe disso.

A convocação aprovada pelos deputados com tamanha vantagem mostra que seus novos aliados não estão preocupados com isso.

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