Na última semana de trabalhos deste ano no Legislativo e com diversas pautas importantes para aprovar, o governo Lula voltou a culpar o Congresso pela necessidade de avalizar um pacote de corte de gastos. Em dia repleto de reuniões no primeiro escalão do Executivo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), fizeram discursos ácidos quase idênticos, em um momento em que o Executivo corre contra o tempo para conseguir votos de parlamentares.
“Se não fosse o contratempo que tivemos com o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) e a desoneração da folha, nós teríamos, neste primeiro ano de Orçamento do governo Lula, superavit primário. Nós só não teremos o superavit primário este ano em função dos R$ 45 bilhões de renúncia fiscal que contrariou o governo”, afirmou Haddad, depois de se reunir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta segunda-feira, para atualizá-lo sobre as tratativas com o Congresso.
Horas mais tarde, foi a vez de Randolfe. O senador disse que o assunto são águas passadas, mas, em tom severo, afirmou que, desta vez, o governo não aceitará discutir a desidratação das medidas no pacote de contenção de gastos. “Agora existe a necessidade de aprovarmos esse pacote de contenção de gastos para o Orçamento do ano que vem. Tudo é passível de discussão. Só não é passível de discussão a desidratação do que foi proposto”, afirmou a jornalistas.
Para tentar “azeitar” a relação com o Congresso — que vai mal —, o Executivo se apressou para liberar as emendas parlamentares depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) desbloqueou os recursos. Pagou R$ 7,8 bilhões na última semana. Mas não são só as emendas que travam as negociações. Há temas que são caros para o eleitor e para algumas bancadas no Congresso, como novas regras para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) — criticadas pelo próprio PT —, as mudanças no salário mínimo e a alteração na correção do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF).
“Ninguém quer retirar direito nenhum. Nós queremos, inclusive, colocar os programas sociais na medida correta para que eles sejam sustentáveis e nunca faltem para alguém. Queremos garantir o BPC para todos aqueles que precisam. Queremos que seja garantida a recuperação do poder de compra do salário mínimo”, frisou Randolfe. “Para isso, teremos que ajustá-lo ao arcabouço fiscal. Ninguém quer retirar direito de Brasília, nós queremos que o Fundo Constitucional do Distrito Federal tenha o mesmo indexador dos demais fundos. Então, não tem uma medida desse pacote que retire um direito sequer.”
A expectativa do senador é de que o governo consiga a aprovação, nesta semana, dos três textos enviados pelo governo como parte do corte de gastos. Haddad foi na mesma linha. “Estamos convencidos de que as medidas vão ser apreciadas este ano. O presidente (da Câmara, Arthur) Lira já deixou claro que, se precisar convocar sessão de manhã, de tarde e de noite, até quinta-feira, a Câmara vai estar disponível”, frisou Haddad.
No entanto, a proposta de emenda à Constituição (PEC), que integra o pacote de gastos, deve ficar para 2025. O texto está parado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara sem relator. Na Casa, vale lembrar, as comissões foram paralisadas por Lira, até o fim do ano, para focar os esforços dos deputados nos textos que estão no plenário.
O Congresso tem sessões marcadas para esta quarta e quinta-feira destinadas a aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), que tiveram a tramitação atrasada e ainda estão na Comissão Mista de Orçamento (CMO). O colegiado retoma a discussão dos relatórios nesta terça-feira e deve avalizar o relatório final da LDO.
A demora para votar os instrumentos de planejamento e execução do Orçamento e a apreciação a toque de caixa no fim do ano já viraram rotina, mas este ano foram potencializadas pelo impasse nas emendas parlamentares. Questionado sobre esse assunto nesta segunda-feira, Haddad disse a jornalistas que essa realidade – em que o Congresso só vota a LDO e a LOA na última semana de trabalhos – é o “novo normal”. Há, ainda, a regulamentação da reforma tributária, que precisa ser ratificada pela Câmara.